N. Sra da Boa Viagem, em Salvador, recebe doações

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Por Agencia Estado
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Nenhuma igreja baiana recebeu tantos ex-votos (doação de fiéis por graças alcançadas) de navegantes como a de Nossa Senhora da Boa Viagem, construída no início do século 18. Centro da festa do Bom Jesus dos Navegantes realizada no dia 1.º de janeiro, em Salvador, a igreja é um exemplo de como a devoção católica foi importante para levantar os templos religiosos brasileiros dos primeiros séculos da colonização. Apesar das reformas que deformaram em parte a arquitetura da igreja, como a ampliação da nave central com a derrubada das paredes dos corredores laterais, Boa Viagem preserva três painéis de azulejos portugueses do século 18 que são raros por retratarem cenas de milagres atribuídos a Nossa Senhora. As peças são do ciclo de Bartolomeu Antunes, principal mestre da azulejaria portuguesa do século 18. Dos três painéis, todos situados nas paredes da capela-mor, dois despertam especial interesse por trazerem além da cena, a descrição do milagre e a quem a "intervenção divina" beneficiou. No primeiro, datado de 1725, o devoto Bernardo da Costa agradece a vida salva de um ataque de corsários. Quatro naus sarracenas preparavam-se para abordar a caravela de Costa que seguia do Brasil para Portugal. Sem saída, ele pediu ajuda a Nossa Senhora da Boa Viagem, protetora dos navegantes, e o milagre ocorreu: "sucedeu levantar-se um grande temporal que logo (as naus inimigas) desapareceram", indica a homenagem. O segundo painel, de 1732, conta a história de Antonio Roriz que caiu no mar durante a travessia do Atlântico e quando se debatia nas águas tocou numa tábua, surgida do nada, por meio da qual conseguiu salvar-se, alcançando a embarcação onde estava. Os dois devotos homenagearam a santa e Bom Jesus dos Navegantes, o outro orago da igreja, decorando-a com os painéis. Cenas - Vários outros fiéis repetiram o ato e a Igreja da Boa Viagem durante séculos tinha todas as paredes internas cobertas de cenas de ex-votos. No entanto, conforme o historiador Edgar de Cerqueira Falcão, parte desse acervo foi irremediavelmente perdido na reforma realizada entre 1908 e 1912. Ele lamenta a destruição dessas "jóias da cerâmica", no seu trabalho Encantos Tradicionais da Bahia onde assinala o caráter de "arte-documental" das peças. As paredes laterais da nave-central foram derrubadas para a ampliação do salão principal da igreja. Considerada "desastrosa" pelos pesquisadores, a reforma implantou colunas em substituição da alvenaria (que lembram vagamente o estilo neoclássico) para sustentar as tribunas laterais. Construída a partir de 1712 e tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan) como um dos monumentos mais importantes de Salvador, o templo ainda conserva rebuscados retábulos dourados nos altares, além dos dois tocheiros da capela-mor em estilo barroco, semelhantes às peças da Igreja de São Francisco de Salvador. Foram os frades franciscanos que também levantaram e decoraram a Boa Viagem. A igreja, que só é lembrada no primeiro dia do ano por causa da tradicional festa necessita de intervenção urgente do Iphan para a realização de uma reforma, principalmente por causa dos altares central e laterais, infestados de cupim.

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