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Na espera pelo Dia dos Pais, homens trans dão lição de amor e respeito

Erick, Daniel, Gael, Pyetro e Rodrigo são pais. E estão felizes e ansiosos pela chegada do dia 9 de agosto. Tema ganhou destaque com campanha do ator Thammy Miranda.

Foto do author Gilberto Amendola
Por Gilberto Amendola
Atualização:

“Não tenho nada contra! Só não venha querer impor que o Thammy é o exemplo de pai! Nem capaz de fazer um filho ela é!”.  “É provocação. É desmerecer os homens?”

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“Nunca será pai porque não é homem.”

Enquanto alguns usuários do Twitter reagiam negativamente à participação do ator Thammy Miranda em uma campanha de Dia dos Pais, Erick Cristian Silveira Santos, de 40 anos, beijava a esposa e o filho Miguel, de 4 meses, e seguia para mais um dia de trabalho em sua barbearia. Por sorte, Cristian pode chegar um pouco mais tarde porque seu outro filho, o Renzor, de 20, é quem costuma abrir o estabelecimento.

Famíliade Erick reunidaem sua barbearia Foto: WASHINGTON ALVES/ESTADAO

Enquanto alguns usuários do Twitter reagiam negativamente à participação do ator Thammy Miranda em uma campanha de Dia dos Pais, o contador Daniel Quirino de Souza, 36, tomava um sorvete com a filha - sem esconder o orgulho de ouvir a Camila dizer que “tanto fazia tomar o sorvete no pote rosa ou no azul” e que “um pote é apenas um pote”. 

Enquanto alguns usuários do Twitter reagiam negativamente à participação do ator Thammy Miranda em uma campanha de Dia dos Pais, o administrador e cineasta Gael Jardim, de 37 anos, fazia planos para um fim de semana com a filha adolescente, a Liz; o motorista de Samu Pyetro Mateus Mendes de Lima e Souza, de 27, programava fazer um jantar especial com a filha Ana Clara, de 9; e o operador de loja Rodrigo Rodrigues, de 28, chorava ao ouvir do filho sua primeira palavra: “Papai”. 

Daniel Quirino com a esposa Luquiani e a filha Camila na casa da família Foto: GABRIELA BILO/ ESTADAO

Erick, Daniel, Gael, Pyetro e Rodrigo são pais. E estão felizes e ansiosos pela chegada do dia 9 de agosto. E são transgêneros.  Orgulho. “Meu filho mais velho, o Renzor, trabalha comigo. Temos cumplicidade e parceria. Ele não admite preconceito. Somos muito unidos”, disse Erick. “Lembro de ir em reunião da escola dele. Eu chegava chegando, de cabeça erguida. Sempre me posicionei e isso criou um ambiente de respeito ao nosso redor”, completou. Renzor é filho biológico de Erick.

Segundo Erick, a relação com Renzor é seu maior orgulho. “É uma sensação maravilhosa. Sou um homem completo e feliz. Tenho filhos, esposa e emprego. Posso respirar fundo e dizer que amo viver, amo a vida que eu tenho.” 

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Além de Renzor, Miguel, de 4 meses, está em processo de adoção definitiva. “O maior presente do Dia dos Pais eu já tive. Foi a chegada do Miguel na minha vida”, falou. 

Assim como Erick, Daniel também é pai biológico. Segundo ele, a gravidez aconteceu antes da transição, em um período em que “ainda estava tentando se enquadrar naquilo que a sociedade acha normal”. Quando Camila chegou na idade em que já podia entender, eles tiveram uma conversa leve e sem dramas. “Ela virou e disse: ‘o que é que tem? Normal.’ Isso me surpreendeu muito”, disse. O pai biológico de Camila é distante. Hoje, a garota mora com Daniel e a esposa dele.

“O que eu posso dizer é que sou presente, sou eu quem educa, quem puxa a orelha quando precisa. Sou em quem vai na reunião da escola. No Dia dos Pais, vou ter a satisfação de acordar e receber um abraço. No meu íntimo, eu sempre quis ser reconhecido como pai, nunca me vi como mãe”, contou Daniel. “Hoje, todos sabem que eu sou o pai da Camila. Ser reconhecido como pai de família é emocionante”, completou. 

Sobre a reafirmação de ser pai e presente, Gael contou que esse é um desafio constante e bonito. “Quero estar presente na vida da minha filha como alguém responsável. O título de papai foi ela quem me deu. Sou eu, como pai dela, que não perco a hora da van da escola, que faz festas de aniversário, festas de fantasia...”, enumerou. 

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Já Pyetro contou com orgulho o fato da filha tirar de letra as indagações dos coleguinhas de escola. “Um amiguinho perguntou para ela porque eu tinha as mamas. Ela apenas disse que o pai dela ‘era uma mulher e agora virou um homem’. Só isso. A Ana Clara também é quem lembra minha própria mãe de me chamar pelo nome masculino.” Para Pyetro, o seu maior legado será ensinar a filha que amor não tem raça, não tem gênero. Amor é apenas amor.

Os pais dos pais

Com o Dia dos Pais se aproximando, é inevitável que a lembrança de como os próprios pais reagiram ao fato de terem filhos transgêneros venha à tona. Infelizmente, nem sempre essa é uma lembrança leve. “Meu pai não me aceita, não me respeita. Ele não me trata pelo nome masculino. É uma situação bem pesada. Ele não quer ter contato. Nem o neto consegue amolecê-lo”, disse Rodrigo. 

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Para Pyetro, a situação foi ainda mais dramática. “Quando falei para o meu pai que eu iria trocar de nome, ele me respondeu dizendo que preferia um filho morto do que um filho desse jeito”, relatou. 

Outros pais passaram por um processo de aceitação - em que o amor pelo filho prevaleceu sobre conceitos e preconceitos. “Sou o filho mais velho. Então, no começo, foi frustrante para o meu pai. Ele tinha uma idealização do que era ser um homem. Mas, com o tempo, ele compreendeu, sentou comigo e conseguimos conversar. Ele, então, pode me dizer que me amava independente da situação”, disse Daniel.

Natura

Os ataques de alguns internautas ao ator Thammy Miranda, escolhido como um dos nomes da Natura para a campanha do Dia dos Pais (ele é pai de Bento, de 6 meses), não encontra eco em outros pais transgêneros. “Admiro Thammy como um pai guerreiro. A aparição dele em uma campanha é muito importante e traz visibilidade e representatividade”, disse Erick.

A reação de parte dos usuários das redes sociais, que ameaçaram até boicotar a marca, também foi tema de debate entre os pais transgêneros. “Ainda existe muito preconceito. Temos um caminho longo pela frente. Da minha parte, me senti muito representado como pai”, afirmou Daniel. “Com milhões de crianças sem pais e sem registro, é um absurdo que as pessoas se sintam incomodadas com o Thammy. Agora, imagina o que não passa um garoto de periferia, sem a força dele”, completou Gael. 

Para Pyetro, o preconceito ainda está no ar, mas aparições como a de Thammy são o início de uma mudança. “Sei que a sociedade não vai mudar tão cedo, mas estamos em um caminho”, disse.

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