Na homilia, papa ataca idolatria pelo dinheiro e diz que jovem precisa recolocar Deus no centro de sua vida

Em Aparecida, Francisco deixa claro que a sua gestão na Igreja buscará a dar à religião uma posição de destaque na sociedade

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Por Jamil Chade
Atualização:

APARECIDA - O papa Francisco ataca a idolatria pelo poder e pelo dinheiro e alerta que os jovens precisam recolocar a esperança e Deus no centro de suas vidas. Em sua homilia durante a missa na Basílica de Aparecida, nesta quarta-feira, 24, o pontífice fez questão de deixar claro que sua gestão na Igreja terá, em um sentido forte, a busca por voltar a dar à religião uma posição de destaque na sociedade.

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"Hoje, mais ou menos todas as pessoas, e também os nossos jovens, experimentam o fascínio de tantos ídolos que se colocam no lugar de Deus e parecem dar esperança: o dinheiro, o poder, o sucesso, o prazer", declarou. "Frequentemente uma sensação de solidão e de vazio entra no coração de muitos e conduz à busca de compensações, destes ídolos passageiros", insistiu.

Pedindo que os fiéis sejam "luzeiros da esperança", o papa dedicou parte de sua homilia justamente a pedir um novo comportamento à sociedade, principalmente dos jovens. "Tenhamos uma posição positiva sobre a realidade", disse. "Encorajemos a generosidade que caracteriza os jovens, acompanhando-lhes no processo de se tornarem protagonistas da construção de um mundo melhor", declarou."Os jovens não precisam apenas de coisas, precisam sobretudo que lhes seja proposto aqueles valores imateriais que são o coração espiritual de um povo, a memória de um povo", disse.

O papa lembrou ainda que havia estado em Aparecida em 2007, quando foi responsável por redigir o texto final da Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe (Celam). "A conferência foi um grande momento na vida da Igreja", avaliou. Mostrando sua tese de que a Igreja deve adotar um perfil missionário e sair em busca de fiéis, o papa insistiu que a própria declaração final em 2007 foi justamente obra da relação entre religiosos e peregrinos.

Agora, ele esclarece que a visita uma vez mais a Aparecida foi um pedido seu. "Eu quis vir aqui para suplicar a Maria o bom êxito da Jornada Mundial da Juventude e colocar aos seus pés a vida do povo latino-americano", disse, deixando claro que a inclusão da cidade no roteiro da viagem foi feito a seu pedido. No fim, Francisco reservou um espaço para se associar a Bento XVI, que esteve em Aparecida em 2007, para dizer que "sem Cristo não há luz, não há esperança, não há amor e não há futuro".

Confira a íntegra da homilia do papa Francisco:

Venerados irmãos no episcopado e no sacerdócio,

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Queridos irmãos e irmãs!

Quanta alegria me dá vir à casa da Mãe de cada brasileiro, o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. No dia seguinte à minha eleição como Bispo de Roma fui visitar a Basílica de Santa Maria Maior, para confiar a Nossa Senhora o meu ministério de Sucessor de Pedro. Hoje, eu quis vir aqui para suplicar à Maria, nossa Mãe, o bom êxito da Jornada Mundial da Juventude e colocar aos seus pés a vida do povo latino-americano.

Queria dizer-lhes, primeiramente, uma coisa. Neste Santuário, seis anos atrás, quando aqui se realizou a V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, pude dar-me conta pessoalmente de um fato belíssimo: ver como os Bispos - que trabalharam sobre o tema do encontro com Cristo, discipulado e missão - eram animados, acompanhados e, em certo sentido, inspirados pelos milhares de peregrinos que vinham diariamente confiar a sua vida a Nossa Senhora: aquela Conferência foi um grande momento de vida de Igreja. E, de fato, pode-se dizer que o Documento de Aparecida nasceu justamente deste encontro entre os trabalhos dos Pastores e a fé simples dos romeiros, sob a proteção maternal de Maria. A Igreja, quando busca Cristo, bate sempre à casa da Mãe e pede: "Mostrai-nos Jesus". É de Maria que se aprende o verdadeiro discipulado. E, por isso, a Igreja sai em missão sempre na esteira de Maria.

Assim, de cara à Jornada Mundial da Juventude que me trouxe até o Brasil, também eu venho hoje bater à porta da casa de Maria, que amou e educou Jesus, para que ajude a todos nós, os Pastores do Povo de Deus, aos pais e aos educadores, a transmitir aos nossos jovens os valores que farão deles construtores de um País e de um mundo mais justo, solidário e fraterno. Para tal, gostaria de chamar a atenção para três simples posturas. Três simples posturas: Conservar a esperança; deixar-se surpreender por Deus; viver na alegria.

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1. Conservar a esperança. A segunda leitura da Missa apresenta uma cena dramática: uma mulher - figura de Maria e da Igreja - sendo perseguida por um Dragão - o diabo - que quer lhe devorar o filho. A cena, porém, não é de morte, mas de vida, porque Deus intervém e coloca o filho a salvo (cfr. Ap 12,13a.15-16a). Quantas dificuldades na vida de cada um, no nosso povo, nas nossas comunidades, mas, por maiores que possam parecer, Deus nunca deixa que sejamos submergidos.

Frente ao desânimo que poderia aparecer na vida, em quem trabalha na evangelização ou em quem se esforça por viver a fé como pai e mãe de família, quero dizer com força: Tenham sempre no coração esta certeza! Deus caminha a seu lado, nunca lhes deixa desamparados! Nunca percamos a esperança! Nunca deixemos que ela se apague nos nossos corações! O "dragão", o mal, faz-se presente na nossa história, mas ele não é o mais forte. Deus é o mais forte, e Deus é a nossa esperança! É verdade que hoje, mais ou menos todas as pessoas, e também os nossos jovens, experimentam o fascínio de tantos ídolos que se colocam no lugar de Deus e parecem dar esperança: o dinheiro, o poder, o sucesso, o prazer. Frequentemente, uma sensação de solidão e de vazio entra no coração de muitos e conduz à busca de compensações, destes ídolos passageiros. Queridos irmãos e irmãs, sejamos luzeiros de esperança! Tenhamos uma visão positiva sobre a realidade. Encorajemos a generosidade que caracteriza os jovens, acompanhando-lhes no processo de se tornarem protagonistas da construção de um mundo melhor: eles são um motor potente para a Igreja e para a sociedade. Eles não precisam só de coisas, precisam sobretudo que lhes sejam propostos aqueles valores imateriais que são o coração espiritual de um povo, a memória de um povo. Neste Santuário, que faz parte da memória do Brasil, podemos quase que apalpá-los: espiritualidade, generosidade, solidariedade, perseverança, fraternidade, alegria; trata-se de valores que encontram a sua raiz mais profunda na fé cristã.

2. A segunda postura: Deixar-se surpreender por Deus. Quem é homem e mulher de esperança - a grande esperança que a fé nos dá - sabe que, mesmo em meio às dificuldades, Deus atua e nos surpreende. A história deste Santuário serve de exemplo: três pescadores, depois de um dia sem conseguir apanhar peixes, nas águas do Rio Parnaíba, encontram algo inesperado: uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. Quem poderia imaginar que o lugar de uma pesca infrutífera tornar-se-ia o lugar onde todos os brasileiros podem se sentir filhos de uma mesma Mãe? Deus sempre surpreende, como o vinho novo, no Evangelho que ouvimos. Deus sempre nos reserva o melhor. Mas pede que nos deixemos surpreender pelo seu amor, que acolhamos as suas surpresas. Confiemos em Deus! Longe d’Ele, o vinho da alegria, o vinho da esperança, se esgota. Se nos aproximamos d’Ele, se permanecemos com Ele, aquilo que parece água fria, aquilo que é dificuldade, aquilo que é pecado, se transforma em vinho novo de amizade com Ele.

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3. A terceira postura: Viver na alegria. Queridos amigos, se caminhamos na esperança, deixando-nos surpreender pelo vinho novo que Jesus nos oferece, há alegria no nosso coração e não podemos deixar de ser testemunhas dessa alegria. O cristão é alegre, nunca está triste. Deus nos acompanha. Temos uma Mãe que sempre intercede pela vida dos seus filhos, por nós, como a rainha Ester na primeira leitura (cf.. Est 5, 3). Jesus nos mostrou que a face de Deus é a de um Pai que nos ama. O pecado e a morte foram derrotados. O cristão não pode ser pessimista! Não pode ter uma cara de quem parece num constante estado de luto. Se estivermos verdadeiramente enamorados de Cristo e sentirmos o quanto Ele nos ama, o nosso coração se "incendiará" de tal alegria que contagiará quem estiver ao nosso lado. Como dizia Bento XVI, aqui neste Santuário, que sem Cristo não há luz, não há amor, não há esperança, não há amor, não há futuro". Queridos amigos, viemos bater à porta da casa de Maria. Ela abriu-nos, fez-nos entrar e nos aponta o seu Filho. Agora Ela nos pede: «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2,5). Sim, Mãe nossa, nos comprometemos a fazer o que Jesus nos disser! E o faremos com esperança, confiantes nas surpresas de Deus e cheios de alegria. Assim seja.

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