Na quarentena, outros países da América Latina têm queda de trânsito maior do que Brasil

Análise do BID mostra que houve redução de 58% na circulação de veículos no País; índice foi de 91% e 92% na Colômbia e na Argentina

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Por Beatriz Bulla , Correspondente e Washington (EUA)
Atualização:

Uma análise do congestionamento do mês de março indica que o Brasil não tem diminuído o fluxo de carros nas últimas semanas tanto quanto vizinhos na América Latina – um sinal de que possivelmente o País também não está seguindo tão à risca políticas de distanciamento social pregadas por especialistas como cruciais para evitar a disseminação do coronavírus.

O tráfego de veículos no Brasil está em patamar mais alto do que em países da região e a circulação de carros aumentou no fim de semana. Os dados fazem parte de uma plataforma online montada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A instituição tem monitorado o tráfego por dados concedidos pelo aplicativo Waze para avaliar a queda de congestionamento na América Latina com as restrições de circulação e monitorar o impacto das políticas de isolamento. 

A Avenida 23 de Maio faz parte do Corredor Norte-Sul, ligação entre Santana e o Aeroporto de Congonhas Foto: José Patrício/Estadão

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“Na semana de 7 de março, muitos países na América Latina começaram a tomar medidas, ainda que parciais, de distanciamento social e queríamos mediar a mudança no comportamento. A medição de tráfego é uma forma de ver os sinais de distanciamento social”, explica o economista da instituição Oscar Mitnik. Os economistas do banco pretendem observar os dados e, depois, relacioná-los às políticas de combate à disseminação do coronavírus.

O Brasil, assim como outros países da região, vinha registrando queda no fluxo de veículos nas últimas semanas e estacionou na semana passada. Desde 11 de março, o movimento de carros veio caindo no País, com um pico de alta apenas no dia 15, data dos atos de manifestação em apoio ao governo Bolsonaro. A curva que mostra a trajetória do congestionamento voltou a apontar para cima na última sexta depois de passar a semana relativamente estável. 

Na terça-feira, o presidente Jair Bolsonaro fez um pronunciamento em rede nacional no qual chamou o coronavírus de “resfriadinho” e pregou a volta à “normalidade” e funcionamento de escolas. O movimento registrado no Brasil no fim de semana chama a atenção quando comparado aos demais países. Argentina, Colômbia e Peru, que já vinham registrando congestionamento em níveis mais baixos do que o brasileiro ao longo das últimas semanas, se mantiveram estáveis no fim de semana. As comparações têm como referência sempre a primeira semana de março. Cada segunda-feira analisada, portanto, é comparada com a segunda-feira de 1º de março.

“Trabalhamos duro para encontrar o ponto de comparação correto. Janeiro e fevereiro não são bons meses de comparação, porque há férias escolares. No Brasil, tem ainda o carnaval. No fim, estabelecemos a primeira semana de março como parâmetro”, afirma Mitnik.

Os resultados do Brasil foram acompanhados de perto pela equipe do BID que monitora o projeto. O grupo tem dois brasileiros. Os economistas são cautelosos na interpretação do gráfico. Segundo eles, ainda é preciso acumular mais informações para relacionar o aumento ou queda no movimento às medidas de restrição de circulação aplicadas em cada país. 

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“Vimos esse aumento no Brasil (no último fim de semana). Não queremos tirar conclusões fortes ainda. Parece que no fim de semana houve movimento de alta, mas precisamos ver o movimento completo dos próximos dias para analisar se isso se sustenta”, diz Mitnik.

Na análise de todo o mês de março, o Brasil também perde para países da região, como a Argentina. Mesmo o patamar mais baixo de tráfego no Brasil, com queda de 70% do movimento comparado à primeira semana do mês, é mais alto do que o nível de outros países da região.

Enquanto Colômbia e Argentina reduziram em 92% e 91% a quantidade de fluxo de veículos na última medição, desde a primeira semana do mês, a redução no Brasil foi de 58%, similar à do México, de 55%. Assim como Bolsonaro, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, político de esquerda, vinha minimizando a gravidade do vírus e continuou a frequentar eventos públicos com aglomerações de apoiadores. 

“Quando fazemos a comparação por países, se olharmos por exemplo Argentina, Colômbia, Chile e Brasil, vemos que o impacto na Argentina e na Colômbia parece ser maior do que no Brasil e no Chile. Não podemos dizer ainda se está relacionado com o fato de termos lockdowns totais na Colômbia e na Argentina”, afirma Mitnik. 

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Os dados têm como base aplicativos em que o usuário compartilha sua experiência. Países e cidades que têm mais pessoas usando o Waze, por exemplo, trazem dados mais confiáveis. O Brasil é o país com maior número de cidades analisadas no projeto por causa do grande número de usuários do aplicativo.

“Queremos facilitar o acesso a esses dados para a região. É uma fonte de informação valiosa e, com informação medida dia a dia, temos mudanças muito rápidas. Pensando do lado da iniciativa privada, vai ser muito valioso ter dados que nos ajudem a pensar como essa crise vai impactar a atividade econômica”, afirma Patrícia Yanez, diretora no BID Invest, braço privado do banco.

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