'Não existe racismo no Brasil', diz Mourão ao comentar morte de homem negro no RS

Vice-presidente lamentou morte de homem espancado em estacionamento do Carrefour em Porto Alegre e disse que o que existe no Brasil é 'desigualdade, fruto de uma série de problemas'

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Por Redação
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O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou nesta sexta-feira, 20, lamentar a morte de um homem negro espancado por seguranças em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre, mas disse que o ocorrido não pode ser classificado como um episódio de racismo. "Digo com toda a tranquilidade para você: não existe racismo no Brasil", afirmou Mourão.

João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi agredido até a morte na noite desta quinta no em uma loja da rede. Um dos agressores era segurança do local e o outro, um policial militar temporário. Ambos brancos. O crime ocorreu na véspera do Dia da Consciência Negra, celebrado nesta sexta.

O vice-presidente, Hamilton Mourão, negou a existência de racismo no Brasil após a morte de um homem negro, espancado em supermercado em Porto Alegre Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

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"Digo isso porque já morei nos Estados Unidos. Racismo tem lá", disse Mourão ao negar a existência do racismo no Brasil. "Aqui existe desigualdade. Fruto de uma série de problemas", completou.

O vice citou que viveu no país norte-americano no fim da década de 1960 e, na época, ficou impressionado com políticas segregacionistas."Na minha escola, quando eu morei lá, o pessoal de cor andava separado. Eu nunca tinha visto isso aqui no Brasil. Saí do Brasil, fui morar lá, era adolescente e fiquei impressionado com isso." 

Mourão afirmou que a maior parte das "pessoas de cor" são de "nível mais pobre" e citou que a sociedade brasileira é "misturada". "Grande parte das pessoas, vamos colocar assim, de nível mais pobre, que tem menos acesso aos bens e as necessidades da sociedade moderna, são gente de cor. Apesar de nós sermos uma sociedade totalmente misturada, é só tu olhar a minha lata aqui né", disse, indicando sua própria cor de pele. Durante a campanha eleitoral, o vice informou à Justiça Eleitoral ser de origem "indígena".

Apesar da afirmação do vice-presidente, dados do Atlas da Violência no País mostram que as taxas de assassinato entre a população negra no País é maior que o de não negros. Um estudo  do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que enquanto o índice de homicídios de pretos e pardos cresceu 11,5% na última década, chegando a 37,8 por 100 mil habitantes, e a de não negros caiu 12,9%, com uma taxa de 13,9. 

Mourão não é o único no governo a negar a existência de racismo no País. O presidente Jair Bolsonaro já afirmou que "racismo é algo raro no Brasil" e nomeou na Fundação Palmares o jornalista Sérgio Camargo, que também adota postura negacionista em relação ao tema.

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Na foto, um dos agressores acusados de participação no espancamento e morte de JoãoAlberto Silveira Freitas, de 40 anos. Foto: Miguel Noronha/Agência F8

Camargo sempre manifestou desprezo pela agenda da Consciência Negra. Em conversa com dois servidores, a que o Estadão teve acesso, no dia 30 de abril, ele classificou o movimento negro como “escória maldita”, que abriga “vagabundos”, e chamou Zumbi de “filho da puta que escravizava pretos”. Ele chegou a retirar o nome de artistas que contribuíram com a cultura do País da lista de personalidades históricas da Palmares. Excluiu, por exemplo, os nomes de Gilberto Gil, Milton Nascimento, Leci Brandão e Martinho da Vila.

“Não tenho que apoiar agenda consciência negra. Aqui não vai ter, vai ter zero da consciência negra. Quando cheguei aqui, tinham eventos até no Amapá, tinha show de pagode no dia da consciência negra”, disse Camargo na conversa com os funcionários, que foi gravada.

Esta não é a primeira vez que o vice emite opiniões polêmicas sobre negros. Em 2018, quando ainda era candidato na chapa de Bolsonaro, Mourão disse que o Brasil "herdou a cultura de privilégios dos ibéricos, a indolência dos indígenas e a malandragem dos africanos". A declaração teve repercussão negativa e adversários políticos, como a ex-ministra Marina Silva (Rede), o acusaram de racismo.

Protesto em Carrefour de Brasília pedia 'justiça para Beto',em referência a João Alberto Silveira Freitas, agredido até a morte em Porto Alegre. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Damares Alves

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Mais cedo, também do governo federal, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, se solidarizou e colocou a pasta à disposição da família de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anosNas redes sociais, Damares disse que as imagens do ocorrido causam "indignação e revolta".

 "Nós do @mdhbrasil estamos trabalhando para que nenhum pai de família, ou quem quer que seja, passe por situação semelhante. Aqui trabalhamos com os direitos humanos das vítimas de crimes, política que está em formulação e será em breve apresentada", disse. Nesta sexta-feira, 20, Damares tinha reunião prevista com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. O chefe do Executivo ainda não se pronunciou sobre o caso.

 "A vida de mais um brasileiro foi brutalmente ceifada no estacionamento de um supermercado, no Rio Grande do Sul. As imagens são chocantes e nos causaram indignação e revolta", escreveu a ministra.

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 "Chega de violência, chega de tanta barbárie. Temos muito trabalho pela frente para mudar essa realidade no país", declarou. Ela ressaltou que seu ministério está disponível para "prestar toda assistência necessária" à família da vítima. " "Sintam-se abraçados por nós", acrescentou. A ministra também parabenizou a polícia gaúcha "pela rápida resposta e prisão dos responsáveis". A Polícia Civil do Estado investiga o crime. Os dois homens foram presos em flagrante.

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