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‘Não se aceita esse recado de medo’

Freixo afirma que não há dúvida de que foi uma execução, mas não sabe quem teria interesse em matar Marielle

Por Roberta Pennafort
Atualização:

RIO - Amigo há 15 anos da vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada na última quarta-feira, 14, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) acompanha de perto as investigações do crime e acredita que os tiros disparados contra o carro em que ela estava foram “coisa de profissional”. Isso pelo fato de terem partido de um automóvel em movimento e atingido o corpo dela e o do motorista, Anderson Gomes, que também morreu, em linha reta.

Ainda sob o impacto da perda de Marielle, que ele levou para a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio, e depois viu entrar na política parlamentar, o deputado disse, em entrevista ao Estado nesta sexta-feira, 16, que a morte alça Marielle à condição de símbolo mundial da luta pelos direitos individuais. Freixo conversou com o Estado enquanto se encaminhava para a casa da família de Marielle, a quem está dando apoio emocional.

Freixo esteve no local do crime na noite desta quarta Foto: ERNESTO CARRIÇO/AGÊNCIA O DIA

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Que recado os assassinos de Marielle queriam dar?

É muito difícil falar, porque a gente não sabe quem foi. As reações no mundo inteiro mostram que não se aceita esse recado de medo. Esse crime precisa ser desvendando e não é porque a Marielle é mais importante, por ser vereadora, mas porque é um crime carregado de vingança. É um recado para mulher, jovem, negra de favela? É preciso elucidar. Um crime contra a democracia não pode ser bem sucedido.

Os tiros seriam para silenciar as denúncias dela de excessos cometidos por policiais?

Ela não recebeu ameaça, não presidia uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), não fez denúncia específica contra ninguém. Eu era muito próximo dela. Terça à noite conversamos longamente e ela em nenhum momento disse que tinha qualquer problema. Não consigo imaginar de onde pode ter vindo isso. Era uma pessoa muito atuante, tinha um mandato muito corajoso. Quem ela incomodou que foi capaz de fazer isso?

Como Marielle entra para a história?

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Eu não tinha a menor dúvida de que ela se tornaria grande liderança política nacional, expressão de todo o campo progressista. Eu tinha clareza disso. Era um caminho inevitável, conheço bem aquela figura: inteligente, brilhante, forte, amorosa. Tinha características que desafiavam muito a política tradicional, representava algo muito novo. O que esses covardes fizeram foi antecipar isso, mas tirando da gente a Marielle. É inaceitável. Hoje ela é um símbolo mundial. Mas o preço, que a gente não queria pagar, é não tê-la mais.

As investigações estão perto da conclusão?

Eu não vou adiantar qualquer linha, porque isso cabe à Polícia Civil. Conheço bastante os policiais, tenho contato direto com eles, e a Marielle também tinha, porque coordenou a Comissão de Direitos Humanos. A gente confia no trabalho deles, vai pressionar, de forma cidadã. Não há dúvida de que foi execução. Os tiros foram dados por alguém que manejava muito bem a arma. Partiram de dentro de um carro em movimento e acertaram de maneira compacta e linear. Foi coisa de profissional. De nove tiros, quatro pegaram na Marielle e três no motorista, que estava na linha de tiro. Daí dá para tirar uma conclusão? Não. Eles estão analisando as imagens das câmeras de segurança da prefeitura. Agora já se sabe que foram balas compradas em 2006 e desviadas da Polícia Federal e que foram usadas na chacina de Osasco. São elementos. Tem que ver quando foi o desvio, se teve inquérito, que conclusão teve.

A juíza Patricia Acioli foi executada em 2011 depois de mandar prender policiais de milícia. Agora assassinam uma vereadora. A certeza da impunidade persiste?

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É a certeza da estupidez, da covardia. Não sei o que esse covarde imaginou, que ia matar Marielle e, por ser uma vereadora do PSOL, nada ia acontecer?

Como vê a hipótese de que o crime teria a ver com a intervenção federal na segurança?

Eu estou tentando não politizar esse debate, não é bom fazer isso sobre o cadáver da Marielle, que era contrária à intervenção. É uma medida eleitoral do (presidente Michel) Temer para tentar escapar da degola. Não vai resolver nada, é uma medida eleitoreira, inclusive com possiblidade de acabar em setembro, para votar a reforma da Previdência, o que mostra o nível de arremedo de governo. A intervenção é fruto de um marqueteiro que assistiu o carnaval do Rio e ficou preocupado com a repercussão política. Não é uma proposta de segurança pública. A munição veio desviada da Polícia Federal. É intervenção que resolve isso? Por que não fizeram o dever de casa antes, com o monitoramento das munições?

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A assessora que acompanhava Marielle está sob proteção?

Ela já deu depoimento e a gente está junto a organizações de direitos humanos providenciando a proteção. Já está segura e vai ficar ainda mais. A gente não pensou em colocar no programa do Estado porque a gente sabe dos problemas que ele tem. Ela não viu nada. Como não foi um assalto, foi uma rajada, nem sabia que tinha sido um atentado, só entendeu depois. Achou que estivesse no meio de um tiroteio.

As reações ao crime são nacionais, mundiais. O PSOL ganha protagonismo? Marielle seria vice de Tarcísio Motta (também do PSOL) para o governo do Estado. E agora?

Parou tudo. Não consigo olhar para isso sem olhar para a minha querida amiga Marielle, de 15 anos, há 11 na minha equipe, trabalhando comigo todos os dias. Fui professor da irmã dela. Temos relação de amor muito grande. Esse cálculo não está no nosso horizonte. Agora, a Mari traz um sentimento de justiça forte. Um desejo das pessoas que talvez estivesse represado desde 2013. Ela representava essa outra política que todos queriam. 2018 pode estar tentando calar 2013, dizer de novo que não pode ter mulher negra, favelada, bissexual na política. Não vão conseguir.

As reações ao crime são nacionais, mundiais. O PSOL ganha protagonismo? Marielle seria vice de Tarcísio Motta (também do PSOL) para o governo do Estado. E agora?

Parou tudo. Eu não consigo olhar para isso sem olhar para a minha querida amiga Marielle, de 15 anos, há 11 na minha equipe, trabalhando comigo todos os dias. Fui professor da irmã dela. Temos uma relação de amor muito grande. Eu não consigo fazer esse cálculo, não está no nosso horizonte. Quero justiça. Agora, a Mari traz um sentimento de justiça muito forte. Um desejo das pessoas que talvez estivesse represado desde 2013. Ela respondia bem aos questionamentos de 2013, representava essa outra política que todos queriam. 2018 pode estar tentando calar 2013, dizer de novo que não pode ter mulher negra, favelada, bissexual na política. Não vão conseguir. Muita gente que chorou nunca tinha ouvido falar da Marielle.

Marielle está sendo chamada de “defensora de bandidos” em ataques nas redes sociais. Como analisa essa reação?

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É falta de inteligência mínima do ser humano. É uma sociedade muito doente aquela que acha que direitos humanos são para proteger bandido. Essa polarização estúpida é uma característica doentia que faz com que haja cada vez mais violação de diretos humanos e com que a polícia seja cada vez mais vitimada. Em todos os lugares do mundo onde houve avanços nas políticas de segurança, os agentes de segurança são instrumentos de garantia dos direitos humanos. Precisamos aproveitar o exemplo da Marielle para deixar isso muito claro. Ela cansou de trabalhar com casos de policiais. A gente aprovou um protocolo de atendimento a familiares de policiais vitimados de forma letal no Rio, junto com o setor de saúde de PM. Dizer que não tem de ter tortura nem execução primária não é proteger bandido, é proteger a lei. É muito óbvio isso. Uma sociedade marcada pelo medo tem receio dos direitos humanos. A gente quer justiça, não vingança. Marielle foi morta por algum ato de banditismo, se veio da polícia ou de outro lugar, não sabemos. Mataram uma militante dos direitos humanos, cabe ao Estado dar a resposta. Aí dizem "agora vocês vão lá e procuram a polícia!" Eu sempre procurei a polícia, em todas as violações, inclusive esses policiais que estão investigando. 

+++ Maioria das balas do crime é nacional e de uso restrito

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