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Nem hospitais escapam do incômodo

Trânsito é o grande vilão: ruído na Avenida Doutor Arnaldo, onde estão centros médicos, chega a 77 decibéis

Por Edison Veiga e Renato Machado
Atualização:

Durante o dia, buzinas e roncos de motores fazem uma barulheira que só aumenta o incômodo de quem já precisa conviver com os irritantes congestionamentos. Essa algazarra mecânica não perdoa nem as proximidades dos hospitais. A pedido do Estado, o arquiteto Eliseu Genari, pesquisador de acústica da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, realizou medições em 15 pontos da cidade para verificar se o nível de ruídos estaria de acordo com o indicado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Na tarde de segunda-feira, foi medido o nível de ruído na Avenida Doutor Arnaldo, onde estão o Hospital das Clínicas, o Instituto do Câncer e o Instituto Emílio Ribas. Os dados ficaram em níveis superlativos: 77 decibéis, quando o máximo recomendado pela ABNT para o horário é 50 decibéis - numa escala logarítmica, isso significa que o som estava 501 vezes mais alto. Na Avenida Rebouças, próximo do Instituto do Coração (Incor), os ruídos atingem 74 decibéis. Nos dois locais, o trânsito causa os altos índices. "O maior causador de ruído na cidade é o tráfego", observa o arquiteto Cesar Bergstrom, diretor de Urbanismo do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia (Sinaenco). Para ele, o melhor meio de atenuar o problema consiste em promover uma intensa arborização. "Árvores absorvem o som", explica. O trânsito também responde pelos altos índices em três outros locais medidos: no cruzamento da Avenida Paulista com a Rua da Consolação, na Marginal do Tietê e no Elevado Costa e Silva, o Minhocão. Os dois primeiros foram analisados no pico da tarde - 17h30. Eles apresentaram, respectivamente, 81 e 83 decibéis. No Minhocão, onde há apartamentos perto do nível do elevado, foram registrados 82 decibéis às 20 horas - nível de ruído diretamente sentido por quem reside ali. Tormento dos moradores da região, o Aeroporto de Congonhas continua sendo o ponto de maior intensidade de barulho em São Paulo. Quando um avião pousa ou decola, a intensidade de barulho medida nas redondezas chega próximo dos 100 decibéis. "Por aqui muitos têm problemas de audição", comenta a presidente da Associação dos Moradores e Amigos de Moema, Lygia Horta. Graças ao embate com quem vive na região, vôos em Congonhas só são permitidos das 6 às 23 horas. Mas há exceções. "Têm ocorrido muitos de madrugada ultimamente", diz Lygia. De acordo com a Assessoria de Imprensa do aeroporto, são permitidos vôos de emergência - geralmente de aviões-UTI ou com órgãos para transplante - e aeronaves militares. Em outubro, ocorreram nove pousos ou decolagens durante a madrugada. Morador da Vila Madalena desde 1945, o contador aposentado Durval Barros Nascimento viu - e ouviu - bem a evolução do bairro, que se transformou em point boêmio. "Nos anos 90, cheguei a organizar um abaixo-assinado com mais de 5 mil nomes, para que a Prefeitura tomasse alguma atitude", conta. "Com o tempo, admito que me acomodei." Quando foi medido o ruído da região, na Rua Aspicuelta, entre dois bares com música ao vivo, na noite de quarta, a média foi de 79 decibéis. GUERRA HISTÓRICA A guerra travada entre os paulistanos e o barulho é histórica. O que mudou foi o perfil dos vilões. Em 16 de janeiro de 1879, este jornal, ainda sob o nome de A Província de São Paulo, publicou uma nota registrando o grande número de reclamações "contra a trombeta que usam os bondes que partem de madrugada". O aviso sonoro utilizado para comunicar os passageiros incomodava. "Quem precisa de trombeta (dizem eles) que mande-a tocar por um criado dentro de seu quarto de dormir", completava o texto. Publicada em 13 de janeiro de 1919, uma crônica intitulada "A Capital do Barulho" reclamava do repicar dos sinos das igrejas do centro - às 6 horas da manhã! -, dos bondes da Light, das buzinas dos automóveis e de cornetas que, pelas ruas, já anunciavam o carnaval. Em outubro de 1960, a Prefeitura lançou uma campanha de combate ao barulho, uma série de debates para discutir o problema que já incomodava. Desde aquela época, o tema se mantém em pauta. "A população de São Paulo luta de forma aguerrida contra os ruídos", afirma o arquiteto João Gualberto Baring, professor de acústica da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e coordenador da Comissão de Estudos de Desempenho Acústico de Edificações da ABNT. O Psiu foi implementado em dezembro de 1994.

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