As tragédias sempre foram crônicas de uma morte anunciada
Por Leandro Karnal
Atualização:
Historicamente, nós temos um Estado não preventivo. Nós temos um Estado, com sorte e em alguns casos, que atua de forma terapêutica. Ele reage a tragédias, mas reage mediante opinião pública e possível dano e custo eleitoral disso. Nos Estados Unidos, por exemplo, além do custo eleitoral, existe o medo do processo. Aqui, recentemente, há um medo de processo do dano eleitoral. Então, você tem de achar um culpado, mas isso não significa uma nova política para a área.
PUBLICIDADE
O Estado brasileiro conta com uma certa apatia. Se você considerar que o incêndio da boate Cromañón, lá em Buenos Aires, representou mais de um ano de passeatas diárias, com a participação do cardeal de Buenos Aires, hoje papa Francisco, e que o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, já foi esquecido, e nada de fato resultou daquilo, existe uma coisa que os nossos poderes, tanto empresariais quanto públicos, contam com a apatia das pessoas. A tragédia será esquecida.
Afinal, vem a seguinte pergunta: quantos estão presos? Se eu levar em conta essa resposta, Brumadinho é fácil de explicar. É mais barato responder a um dano eventual do que criar um sistema coletivo de prevenção de tragédias. Isso em todos os campos. É recente o fenômeno das campanhas de vacinação. Preferimos enfrentar epidemias. Em algumas vezes, enfrentamos epidemias que já foram vencidas ou estiveram próximo de terem sido vencidas, como é o caso da febre amarela. A falta de uma política pública de vacinação faz ressurgir um fantasma do fim do século XIX, da época que levou à Revolta da Vacina no início do século XX. Nunca saímos dessa situação. Mas sempre foi assim.
Veja imagens do rompimento de barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho
1 / 37Veja imagens do rompimento de barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho
Tragédia em Minas Gerais
A Agência Nacional de Mineração (ANM) declarou que a mineradora Vale vistoriou, em dezembro de 2018, estrutura da barragem de Brumadinho sem ter apont... Foto: Washington Alves/ReutersMais
Moradores
É comum ver imagens de moradores de Brumadinho olhando para o horizonte em silêncio Foto: Mauro Pimentel/AFP
Catástrofe ambiental e humana
Bombeiro recolhe gaiolas no meio do mar de lama da catástrofe de Brumadinho. Foto: Adriano Machado/Reuters
Animais
Equipes de resgate voluntáriastentaramsalvar a vaca que esta atolada na lama de rejeitos de ferro. O animal teve que ser sacrificado. Foto: Wilton Junior/Estadão
Dificuldade no resgate
Bombeiros têm dificuldade de acessar algumas áreas para fazer o resgate dos sobreviventes Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
Uma barragem de rejeito se rompeu em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
Lama destruiu estrada em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
A tragédia aconteceu na altura do km 50 da Rodovia MG-040. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
As barragens pertencem à mineradora brasileira Vale. Foto: Washington Alves/Reuters
Catástrofe ambiental e humana
Bombeiros tentam, sem sucesso, resgatar uma vaca atolada após rompimento de barragem. Foto: Adriano Machado/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Segundo informações do site da Vale sobre as barragens da região, a estrutura que se rompeu foi construída em 1976. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
A prefeitura de Brumadinho pediu que a população mantenha distância do leito do Rio Paraopeba, que é um afluente do São Francisco. Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), responsável pelo abastecimento de água na região metropolitana de Belo Horizonte, afirmou que não ... Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas GeraisMais
Tragédia em Minas Gerais
Segundo a Vale, a área administrativa, onde estavam os funcionários, foi atingida, assim como a comunidade da Vila Ferteco. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Os bombeiros enviaram equipes com policiais civis e militares, além de enfermeiros e medicamentos. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Kombi foi soterrada pela lama após o rompimento da barragem em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Casa foi destruída e foi soterrada pela lama após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
O governo federal montou um gabinete de crise em Brumadinho. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Moradores de Brumadinho observam a lama que atingiu a cidade. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
No município de Brumadinho vivem cerca de 40 mil pessoas. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
O rompimento das barragens da Vale aconteceu na tarde de 25 de janeiro de 2019. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
O presidente Jair Bolsonaro fez pronunciamento no Palácio do Planalto, em Brasília, sobre a tragédia em Brumadinho. Foto: Ernesto Rodrigues/Estadão
Presidente Bolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro observa destruição causada após rompimento de barragem da Vale em sobrevoo a Brumadinho Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República
Tragédia em Minas Gerais
Voluntários trazem doações para as vítimas da tragédia em Brumadinho. Foto: Paulo Fonseca/EFE
Tragédia em Minas Gerais
Bombeiros retomaram os trabalhos na manhã deste sábado, 26. Foto: Corpo de Bombeiros de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Fernando Nunes de Araujo é uma das dezenas de pessoas que começam a chegar na faculdade ASA de Brumadinho, onde deve ser divulgada a primeira lista de... Foto: Wilton Junior/EstadãoMais
Tragédia em Minas Gerais
Fernando Nunes de Araujo é uma das dezenas de pessoas que começam a chegar na faculdade ASA de Brumadinho, onde deve ser divulgada a primeira lista de... Foto: Wilton Junior/EstadãoMais
Batalha pela Vida
Bombeiros voltam enlameados após resgate em uma das áreas atingidas pelorompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, em Minas Gerais. Foto: Wilto...Mais
Estrada
Moradores observam trabalho dos bombeiros em estrada bloqueada pela lama em Brumadinho (MG) Foto: Wilton Junior/Estadão
Carro atolado
Um carro ficou atolado e destruído no meio da lama após o rompimento de barragem em Brumadinho (MG) Foto: Wilton Junior/Estadão
Helicoptero
Um helicóptero sobrevoa a cidade de Brumadinho, buscando vítimas após o rompimento da barragem Foto: Wilton Junior/Estadão
Bombeiros tentam encontrar sobreviventes em Brumadinho
Bombeiros tentam encontrar sobreviventes em Brumadinho após rompimento de barragem Foto: Washington Alves/Reuters
Corpo encontrado
Bombeiros carregam o corpo de uma das vítimas do rompimeto da barragem em Brumadinho até posto montado em frente da Igreja de Nossa Senhora das Dores Foto: Wilton Júnior/Estadão
Ponte
Ponte arrastada pela lama nas proximidades da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG, de propriedade da Vale Foto: Antonio Lacerta/EFE
Área devastada
Área devastada pela lama após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão,de propriedade da mineradora Vale Foto: Wilton Júnior/Estadão
Equipe de resgate
Grupo de resgate caminha sobre a lama em busca de vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, emBrumadinho (MG), de propriedade da Vale Foto: Antonio Lacerda/EFE
Resgate aéreo
Equipe de resgate usa helicóptero para procurar vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), de propriedade da Vale Foto: Giazi Cavalcante/Código 19
As tragédias sempre foram crônicas de uma morte anunciada. Dá-se um exemplo. A cidade de São Paulo teve uma ponte na Marginal Pinheiros que se deslocou. Não conseguiram ver com clareza sequer a quem pertencia a responsabilidade pela manutenção da ponte. Em seguida, uma ponte na Marginal em direção à Via Dutra também apresentou danos. Muitas pontes estão assim. E não há uma reação pública proporcional. Mesmo quando se prendem engenheiros que deveriam ter feito a vistoria existe a grita de algumas pessoas. Não sei se são os únicos responsáveis, não tenho conhecimento se há mais gente. Agora, no mínimo, aqueles que fizeram a inspeção e não interditaram são responsáveis. No mínimo.
É difícil esperar do Estado uma ação na medida em que o objetivo do Estado brasileiro não tem sido o bem-estar da população, mas um projeto de poder fechado nele mesmo. À medida que as coisas ocorrem e não há punição, eu permito que isso se repita indefinidamente. Essa falta de mobilização sistemática da nossa população já era alvo de reclamação de D. Pedro II em XIX. Ele reclamava que era uma população fácil de inflamar, mas que dificilmente mantinha esse fogo. É muito fácil haver uma comoção nacional. Mas ela passa diante de outra tragédia ou do tempo simplesmente. Nunca saímos desse estado.
Basta a gente investigar todas as nossas tragédias recentes. Mesmo aquelas que não tiveram perdas humanas, como o incêndio do Museu Nacional do Rio. A pergunta é: quem está preso por manter um prédio histórico sem nenhuma segurança? Ninguém. Quais foram as medidas para os prédios que correm de pegar fogo? Nenhuma. O que acontecerá quando esses prédios pegarem fogo? Nada. É muito mais barato manter esse sistema. A falta de coerção introduz um consenso permanente de que não preciso fazer isso. Se o dano for enorme a um partido, por exemplo, a tradição é mudar o nome do partido e refundá-lo. Onde estão os assassinos do boate Kiss? Onde estão os administradores do Museu Nacional? Continuam livres. Continuam aí. E os políticos se recandidataram. É uma política geral de impunidade que pode ter encontrado nas redes sociais um obstáculo que ainda não se revestiu em algo efetivo. Mas podem ter encontrado um obstáculo.