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No interior paulista, rejeição ao PT ainda é alta

Administrações tucanas e noção de que prosperidade depende mais do indivíduo que do Estado explicam rejeição

Foto do author Lourival Sant'Anna
Por Lourival Sant'Anna , , TEXTOS e FOTO
Atualização:

Na língua tupi-guarani, Piracicaba significa "lugar onde o peixe para". Enquanto a onda petista parece engolfar todo o País, e até mesmo o Estado de São Paulo, Piracicaba, 180 km a noroeste da capital, ergue-se como um dique. Há outros, como Franca, Sorocaba e Jundiaí, onde uma sólida tradição tucana, aliada a uma sequência de administrações do PSDB bem-sucedidas e à noção de que a prosperidade depende mais do indivíduo do que do Estado, emoldura uma rejeição quase visceral ao PT.João Francisco Gava, dono de uma fábrica de temperos, contemplava de manhã cedo o Rio Piracicaba enquanto esperava os restaurantes da orla abrirem para visitar seus clientes. "Não é o Brasil inteiro que vai votar no Lula", disse Gava, de 42 anos. "Jamais fui e jamais serei PT. Já tem um analfabeto, um cara que não serve nem para administrar a casa dele, vai administrar o Brasil?", continuou o empresário, que completou o ensino médio. "Lula é um pau mandado. Colocaram ele lá e falaram: "Dá um saco de farinha e feijão pra turma do Nordeste que votam em você." O Bolsa-Família é compra de voto, é enganação. Como vai pôr a Dilma (Rousseff) lá, uma ladra de banco?", perguntou, referindo-se ao envolvimento da candidata do PT com a guerrilha nos anos 70. "(José) Serra e (Geraldo) Alckmin têm muito mais história e gabarito.""Lula, com aquele negócio de greves que ele fazia, não gosto", acrescenta Carmelindo Frutoso, de 77 anos, ex-dono de um salão de barbearia, conhecido no bairro Paulista, em Piracicaba, por andar com um galo de Angola de estimação que trata como se fosse um cachorro. O fato de Dilma ser mulher não ajuda muito. "Dilma, não quero nem saber", rejeita Frutoso. "Mulher não é para ser presidente." O pedreiro José Menezes, de 64 anos, também acha a ideia absurda: "Aquela "Rossetti" lá e aquela Marina (Silva), Deus me livre", exclama, "italianizando" o sobrenome búlgaro Rousseff. "Vou votar em homem."Ao lado da rejeição ao PT, há em Piracicaba um reconhecimento das realizações do prefeito Barjas Negri, fundador do PSDB, que foi secretário executivo do Ministério da Saúde na gestão de Serra (1998-2002) e em 2002 o sucedeu como ministro. Degradada desde a desativação da ferrovia, há três décadas, a orla do rio foi revitalizada. Abriram-se novos restaurantes para atrair os turistas, gerando emprego e receita.Alexandre Brunelli, de 30 anos, foi um dos que se beneficiaram. Há um ano, ele trocou o emprego numa padaria, que lhe pagava R$ 700, pelo de assador de peixe num restaurante, e passou a ganhar R$ 1.200. "O PSDB é forte aqui por causa do Barjas. Ele arrumou a cidade", diz. Os eleitores citam também a construção de rotatórias e de pontes e o alargamento de avenidas. "Na Rua do Porto, 80% dos carros têm placa de fora, são do pessoal que vem visitar a cidade", observa Luiz Antonio de Oliveira, de 43 anos, dono de estacionamento, eleitor de Barjas, Alckmin e Serra. "Quem diria que essas coisas iam ser feitas aqui? Nunca foram."Eleito com 68% dos votos válidos em 2004 e reeleito com 88% em 2008, Barjas estava entre as centenas de prefeitos, vereadores e deputados do PSDB que foram manifestar apoio a Serra no dia 1.º em São Paulo. "Meus secretários e eu estamos todos os dias nas ruas fazendo campanha", garante.Resistência. Um em cada três (31,8%) municípios de São Paulo é administrado pelo PSDB, de longe o maior partido do Estado, seguido pelos seus aliados DEM (11,5%) e PMDB (11,1%). O PT vem em quarto, com 10,2%. Com deputados estaduais e federais, também em campanha, esses prefeitos formam o núcleo duro da resistência tucana à onda vermelha.Para Edinho Silva, presidente estadual do PT, duas vezes prefeito de Araraquara e candidato a deputado estadual, a explicação é socioeconômica. "O PT enfrenta dificuldades nas cidades médias do interior de São Paulo com uma classe média muito extensa e uma cultura política mais conservadora, que acredita que se vira por conta própria e só espera que o Estado não a atrapalhe", analisa Edinho, formado em ciências sociais, com mestrado sobre o sistema de produção do setor canavieiro. Em 2008 ele não conseguiu eleger sua sucessora em Araraquara, agora administrada pelo PMDB. Em contrapartida, diz Edinho, "os setores populares na periferia das regiões metropolitanas de São Paulo e de Campinas tornaram-se trincheiras do PT, que é forte também nos eleitores que se tornaram classe média durante o governo Lula".Marco Antonio Villa, professor de ciências sociais na Universidade Federal de São Carlos, discorda da leitura de Edinho. "O PT abandonou o discurso sindicalista, adotou o da eficiência gerencial e a disputa se dá nesse campo", afirma. "Nas cidades que conseguiu gerir bem, ele se fortalece, e o contrário acontece nas que teve más gestões." Além disso, diz, "a população não consegue engolir os candidatos a governador pelo PT". Para Villa, os postulantes nas três últimas eleições, José Genoino e Aloizio Mercadante, "não são bem assimilados pelo interior, até porque não o conhecem, só viajam em época de eleição".A última pesquisa do Ibope, divulgada sexta-feira, mostra que Dilma é bem mais forte na periferia e Serra, no interior, embora ela se mantenha na frente. Dilma empata com Serra entre os eleitores de renda mais alta, e leva vantagem à medida que a renda diminui. Alckmin está tão forte na periferia de São Paulo quanto no interior, e sua vantagem sobre Mercadante é ainda maior na baixa renda."A força de um partido é muito mais fruto da projeção e do trabalho das lideranças locais", concorda Carlos Alberto Pannunzio (PSDB), que disputa o quinto mandato consecutivo de deputado federal e foi prefeito de Sorocaba entre 1989 e 1992. Para ele, o crescimento econômico e a melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano em Sorocaba, região bastante industrializada e exportadora, como Piracicaba, explicam o prestígio do PSDB. O partido administra a cidade de 600 mil habitantes continuamente desde 1996. Pannunzio acha que a saída para a campanha de Serra é a defesa da ética, da liberdade e das garantias constitucionais. "Não basta ter empregos."

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