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No País, 134 mil presos poderiam estar em liberdade

Detentos de baixa periculosidade ocupam 30% do sistema carcerário; déficit de vagas é de 180 mil

Por Adriana Carranca
Atualização:

Dois estudos, um do Ministério da Justiça e outro da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (Direito GV), mostram um dado alarmante sobre o sistema prisional brasileiro: cerca de 80 mil presos provisórios e 54 mil condenados poderiam estar em liberdade. Isso porque os crimes que cometeram são de baixo ou médio potencial ofensivo, cometidos sem uso de violência ou grave ameaça e que poderiam aguardar em liberdade até o julgamento, no caso dos presos provisórios , ou passíveis de penas alternativas, no caso dos condenados. Eles representam mais de 30% dos 422.373 presos do País. Um dado mais desconcertante: eles somam 134 mil detentos, enquanto o déficit nas penitenciárias é de 180 mil. Sua liberação resultaria na abertura de 75% das vagas necessárias para o sistema prisional, hoje. Uma economia de R$ 4,7 bilhões aos cofres públicos - considerando-se o custo médio de R$ 35 mil por nova vaga, segundo dado do Ministério da Justiça. "Esses presos ocupam vagas essenciais para o sistema prisional, sem necessidade", diz Márcia de Alencar, coordenadora-geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas do Ministério da Justiça. Segundo ela, os números podem estar subestimados, pois não estão considerados presos provisórios que aguardam julgamento em delegacias e cadeias públicas - cerca de 60 mil. Somente Pernambuco e Rio Grande do Sul não mantêm presos provisórios em cadeias e delegacias, segundo Márcia. CULTURA DO CÁRCERE O maior gargalo do sistema prisional está justamente nas prisões provisórias, que somavam, em dezembro de 2007, data do levantamento do ministério, 147 mil presos, ocupando 35% do sistema prisional. Em países como Estados Unidos e Inglaterra, esse índice é de apenas 2%. Em tese, elas deveriam se limitar a 81 dias, no Brasil. Na prática, os presos chegam a aguardar condenação por até 1 ano. A melhor média estadual é de 4 meses de espera, ou seja, quase o dobro do previsto. Por que isso ocorre? "Primeiro, pela morosidade da Justiça. Segundo, por simples falta de defesa. Um exemplo: a média de tempo de prisão provisória de um detento que tem advogado particular chega a cair pela metade em comparação com os que dependem de assistência judiciária gratuita. Terceiro, pela cultura do cárcere que existe no País", diz Márcia. Entre os presos provisórios, ela identificou 80 mil aguardando julgamento por delitos de baixo ou médio potencial ofensivo, pelos quais deverão ser condenados com outras formas de privação de direito que não a da liberdade. "São aqueles clássicos casos do homem que furtou um pote de margarina ou cometeu crimes ambientais, de trânsito, calúnia ou difamação, estelionato, entre outros", diz Márcia. "Mas o que ocorre é que eles aguardam entre as grades até o julgamento por crimes pelos quais, se condenados, poderão receber penas alternativas e sair em liberdade. Ou seja, eles são vítimas de uma pré-condenação. É como se, independentemente do resultado final do processo, a pessoa já tivesse de ser penalizada." AVANÇOS No caso das condenações, pela primeira vez, em 2007, o número de penas alternativas aplicadas (422.522) foi equivalente às sentenças de prisão (422.373), segundo o Ministério da Justiça. É um marco histórico. Mas pelo menos 25% das condenações, segundo outro levantamento, da Direito GV, ainda poderiam ser substituídas por penas alternativas. São presos condenados a até 4 anos de prisão. "Penas dentro desse limite são aplicadas por crimes sem uso de violência ou grave ameaça. Ou seja, ainda estamos condenando à prisão pessoas que não representam perigo à sociedade", constata a professora e pesquisadora Maíra Rocha Machado, da Direito GV. "São penas que poderiam ser substituída por outras, que não a privação da liberdade." A defesa de penas alternativas em lugar da privação de liberdade baseia-se em números que deflagram a falta de eficiência do sistema prisional em recuperar os presos. A taxa de reincidência de condenados à prisão varia entre 70% e 85% nas penitenciárias do País. Entre os que cumprem penas alternativas, o índice cai para 2% a 12% de reincidência. "Isso porque, na maioria das vezes, essas são pessoas que cometeram crimes acidentais ou residuais. Quanto menos tempo ficarem presos, menos contaminados serão pelo sistema penitenciário."

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