Noticiar pedofilia é 'campanha' contra a Igreja, diz cardeal

'O bispo só pode denunciar, se ele fez uma investigação, fez um julgamento', disse d. Geraldo

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Por Redação
Atualização:

O cardeal d. Geraldo Majella Agnelo, arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, atribui as denúncias de pedofilia praticada por padres a uma campanha intencional para desacreditar a Igreja. Segundo ele, a Igreja incomoda pela pregação do Evangelho, ao insistir numa doutrina que é contestada, às vezes, até por católicos. As críticas e denúncias daqueles que tentam responsabilizar Bento XVI pelos escândalos, disse o cardeal, partem de adversários que, se pudessem, acabariam com a pessoa do papa. Nesta entrevista dada ao Estado, no encerramento da 48.ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), semana passada,  d. Geraldo afirmou que os casos de pedofilia são uma chaga para a Igreja, embora os escândalos não cheguem a 1% dos 400 mil sacerdotes existentes no mundo.

 

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Como ficam a imagem e a vida da Igreja, após essa série de denúncias de abusos sexuais praticados por padres?

 

Sentimos que toda essa orquestração, em matéria de pedofilia e abusos sexuais, é apresentada só em relação ao clero. Sabemos que esses casos não chegam a 1%,  dos 400 mil sacerdotes que existem no mundo . É uma abrangência baixa, pois dentro da própria família, no âmbito familiar, isso aumenta para mais de 10%. Outras categorias têm muito mais. Estamos sendo cobrados, como se só nós tivéssemos esse pecado. Como é que pode a Igreja evangelizar, se apresentar ao mundo? Mas não houve por isso uma dispersão de fiéis, nem mesmo naqueles lugares do Brasil onde houve alguns casos. Não tem havido entre os fiéis uma perda de confiança na Igreja. Mas é triste. Mesmo que fosse um sacerdote, toda a Igreja deveria sentir. É uma coisa que toca a todos nós. É uma verdadeira chaga.

 

O senhor acha que, ao se divulgar notícias sobre pedofilia no clero, se faz uma campanha intencional contra a Igreja?

 

Eu acredito que sim, que seja uma campanha para desacreditar a Igreja. Esse é um ponto sensível, que interessa a todas as famílias, por causa de seus filhos. A Igreja incomoda pela pregação do Evangelho, ao exercitar  um confronto do comportamento humano, da sociedade, com o Evangelho. Incomoda alguém ser apontado como transgressor. Mas quem se declara cristão católico deve observar aquilo que está na doutrina da Igreja.

 

A Igreja tem conseguido convencer os fiéis a seguir sua doutrina - ou a Igreja prega uma coisa e os fiéis fazem outra?

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Nem Nosso Senhor, quando pregava, conseguia convencera a todos. Ele dizia: quem quiser ser meu discípulo, tome sua cruz e me siga. A vida cristã não é uma vida folgada. Ela exige renúncias e deveres. Não apenas direitos, mas compromissos também, que devem ser assumidos e respeitados. Estamos hoje numa época do subjetivismo. A pessoa não aceita simplesmente que tem de fazer, mas diz: se não estou de acordo, faço do jeito que quero. Isso  é relativismo e subjetivismo. Hoje esse comportamento é comum.

 

Não existe uma dupla moral da parte dos fiéis? Por exemplo, católicos divorciados e casados em segunda união participam da Eucaristia, com a permissão do padre, embora a Igreja proíba.

 

A moral é uma só. O padre não pode permitir aquilo que não está na competência dele e que vai contra a doutrina e a moral. Ele deve impedir que aquele que está numa situação irregular participe do sacramento da Eucaristia. Esse católico pode continuar a comparecer às reuniões da comunidade, participar da missa assistindo, mas não comungando.

 

Os católicos divorciados querem uma participação total, incluindo a Eucaristia.

 

Nosso Senhor disse: o que Deus uniu o homem não pode separar. O casamento católico é um casamento que não tem dissolubilidade. Se algum casamento não deu certo, estão previstos no Código de Direito Canônico  muitos casos em que bastaria a falta  de uma das condições para validade do matrimônio para que fosse declarado nulo.Sendo declarado nulo, é o reconhecimento de que nunca existiu o primeiro casamento. Nesse caso, pode-se contrair um segundo casamento.

 

Os padres são mais de 400 mil no mundo e cerca de 18 mil no Brasil. Como fica a imagem do sacerdote?

 

O povo está olhando para nós. "É verdade, não é ?"  Em alguns casos, só pelo fato de ter sido apontado (como pedófilo) , o padre já é julgado. A Igreja não está querendo a absolvição de todos os réus. Aqueles que forem acusados devem ser submetidos a julgamento. O Direito Canônico prevê punições  e existem tribunais eclesiásticos para verificar  se a acusação é procedente.

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O bispo da diocese que abre processo canônico para apurar acusações sobre abusos sexuais é obrigado a levar o caso às autoridades civis? Vai entregar o padre?

 

Não. O bispo só pode denunciar,  se ele fez uma investigação, fez um julgamento, e o padre foi considerado réu e responsável no processo que está sendo julgado. Se o padre cometeu um crime, pode ser apresentado à lei do país. Quem faz a acusação deve participar do processo eclesiástico. Tem que mostrar documentada a acusação. A vítima não é obrigada pelo Direito Canônico, mas também não vai ser impedida de levar o caso a julgamento civil.

 

A figura do papa saiu arranhada em meio a tantos escândalos?

 

Ele tem sido colocado como o grande responsável. Mas tem gente que, se pudesse acabar com o papa, acabaria. São ofensas são grosseiras. Elas não vêm de adversários que apontam falhas, mas de adversários que querem destruir a pessoa. É o que acontece em relação ao papa, quando ele fala a Igreja Católica. Querem tirar a confiança, o respeito a seu mandato de confirmar os irmãos na fé.

 

Bento XVI disse, na semana passada, que a Igreja está sofrendo mais pelos seus pecados internos do que por perseguições vindas de fora...

 

A Igreja foi sempre santa e pecadora. Desde os primeiros tempos do cristianismo,  surgiram casos de deserção. Não podemos cruzar os braços, como se estivesse tudo bem. Mas há os santos. Não só os santos e altar, que são poucos dentro do povo de Deus, mas aqueles que dão testemunho de vida no seguimento de Jesus. Não é porque um pecou que vamos dizer que toda a Igreja não presta. Foi um que pecou. Não há motivo para desânimo.

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