Nova classe média vai pautar eleições, afirmam analistas

Para especialistas, questão levantada por FHC em artigo sobre como fisgar emergentes será determinante no futuro dos políticos

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Por Gabriel Manzano
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A "nova classe média", trazida ao centro do debate político pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na semana passada, e namorada pelo PT, que vê na presidente Dilma Rousseff a figura talhada para conquistá-la, chegou para mudar o cenário eleitoral do País, admitem analistas, marqueteiros e estudiosos. O tema apareceu no artigo O Papel da Oposição, divulgado por FHC, e reforçou a condição desse grupo como objeto de desejo do mundo político. É um vasto universo de 29 milhões de pessoas - pobres que, nos últimos seis anos, subiram da classe D para a C e carregam consigo novos comportamentos e expectativas. Analistas, líderes partidários, comunicólogos e marqueteiros já se esforçam para entender como atuará, diante das urnas, esse segmento que, ao subir, fez da classe média o maior grupo social do País, com 94 milhões de pessoas (51% da população). "Não se trata de gente sem nada, que aceite qualquer coisa. É gente que trabalhou duro, subiu, sabe o que quer, tem mais informação e se torna mais exigente", resume Marcia Cavallari, diretora executiva do Ibope. "Isso merece um discurso novo e FHC acertou ao mandar a oposição ir atrás dela", disse. Não por acaso, o economista Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas - primeiro a detectar esse fenômeno, num estudo de 2010 - considera essa iniciativa de Fernando Henrique "a segunda ideia mais inteligente da oposição em anos, depois do plano de estabilização dos anos 1994-2002". Esse brasileiro, diz ele, "quer sonhar, e não apenas diminuir seus pesadelos". O impacto desse cenário já se faz sentir no mundo político, que ainda procura entender a enorme votação da candidata Marina Silva (PV) nas eleições presidenciais de 2010. "Mas é perda de tempo tentar adivinhar se é um grupo de esquerda ou de direita", observa Antonio Prado, sócio-diretor da Análise, Pesquisa e Planejamento de Mercado (APPM), em São Paulo. Oportunidades. Grande parte desses emergentes, afirma Prado, "são cidadãos que tomaram iniciativas, buscaram créditos, tornaram-se microempresários". Seus filhos estão entrando na universidade via ProUni. "Como trabalhadores, não querem um Estado que os tutele, mas que lhes dê oportunidades para crescer." E como cidadãos, continua o analista, eles esperam "que haja ordem na sociedade, para nenhum malandro lhes passar a perna" - afinal, esforçaram-se demais para chegar aonde chegaram. Dos políticos, esse eleitor espera "coerência e dedicação ao bem comum". Para quem imagina que isso tudo tem um certo jeito de direita, Prado avisa que "esse brasileiro já foi pobre e percebeu que uma tarefa prioritária do Estado é atacar as desigualdades". Ou seja, proteger desassistidos é, para ele, função básica do Estado. A vendedora Solange Ferreira Luz, moradora da periferia de São Paulo, é um exemplo típico desse novo eleitor mais informado e mais exigente. "Minha maior preocupação é a escola de meus dois filhos", diz ela. Tanto que juntou dinheiro para comprar um computador e prefere que eles estudem em escolas técnicas estaduais, que lhe parecem melhores que as municipais (ver texto na página A10). Para esse eleitor, muito mais presente em Minas Gerais e Nordeste do que em São Paulo, perde peso o discurso sobre "a elite de 500 anos" ou o neoliberalismo. O que lhe interessa mais, lembra Marcia Cavallari, "é que há empregos e ele não tem preparo para se candidatar a muitos deles. Então, a qualidade do ensino se torna um fator decisivo para sua vida, para ele aprender e subir. Isso torna inevitável, em próximas eleições, o debate qualificado sobre o nível da educação no Brasil." Pode-se estender essa nova percepção a outros setores. "Para esses emergentes sociais, é tudo novidade. Ele já faz viagens de avião - e os aeroportos estão como estão. O filho na universidade saberá avaliar melhor o nível da educação", compara Renato Meirelles, diretor do instituto Datapopular, que faz estudos sobre o mercado popular no Brasil. Ele menciona, a propósito, pesquisas segundo as quais 68% dos filhos, na classe C, estudaram mais que os pais. Na classe A, esse percentual é de apenas 10%. Ralé e batalhadores. Os limites desse cenário, no entanto, não podem ser ignorados. Primeiro, porque os "novos" se juntam à enorme classe média já existente e podem assimilar seus projetos e valores no dia a dia. Essa expressão, nova classe média, "designa setores que ampliaram sua capacidade de consumo", adverte Leôncio Martins Rodrigues, "mas não define especialmente um novo segmento social". O sociólogo Jessé Souza até se recusa a admitir que exista uma nova classe média: existem o que ele chama de "batalhadores", uma multidão que tanto poderá ser "cooptada pelo discurso e pela prática individualista", como "assumir um papel protagonista e inspirar a "ralé"" - as massas desassistidas. O próprio Fernando Henrique afirma também que uma classe implica um estilo de vida, valores, e prefere falar de "novas categorias sociais". Marcelo Néri destaca, por fim, que "nem política nem economicamente há nada conquistado nesse público - nem pelo PT nem pelas oposições". Além disso, "todos podem perder com a inflação, se ela voltar, e também com o desemprego".

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