O bon vivant francês que veio para o Brasil desenhar carros

Vincent Pedretti está em São Paulo para entender a cultura nacional e usá-la no design de carros da Renault

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Por Humberto Maia Junior
Atualização:

Vincent Pedretti queria ser piloto de avião. Mas o sonho foi desfeito aos 17 anos, após uma conversa com um oficial da Força Aérea da França. O general visitava a escola onde ele estudava, em Paris. Um local que preparava jovens para profissões voltadas às ciências exatas - entre elas, os interessados em pilotar um caça Mirage ou Rafale. - Uso óculos porque tenho miopia e astigmatismo. Posso ser piloto mesmo assim? - Não. - E se eu colocar lente? - Nem assim. - E se operar? - Também não, respondeu o lacônico oficial, que fora à escola em busca de novos talentos. - Nem helicóptero?, insistiu o jovem sonhador, para receber mais uma negativa. - Nem aqueles grandes aviões com hélice? - Talvez você possa pilotar pequenos jatos comerciais. Como Vincent não via emoção em pilotar pequenos jatos para milionários, virou designer de automóveis. Trabalha na Renault e veio parar no Brasil. ''''Pfffff'''', relembra hoje, sentado em seu escritório na Vila Olímpia, zona sul, bufando ao estilo europeu. ''''Quién nunca quis pilotar avião? Velocidad, emoção...'''', diz, misturando espanhol com português. Mas não mostra frustração. Afinal, o desenho sempre fez parte de sua vida e ele adora o prazer de olhar para um determinado carro na rua e poder dizer: - Fui eu que fiz. No currículo, o utilitário Renault Trafic, o Nissan Note e o Grand Scénic. Especialmente no Brasil, onde a relação das pessoas com automóveis beira à paixão, ser o responsável por criar modelos que serão cultuados pelos donos traz algum reconhecimento. Não a ponto de dar autógrafos - ele nem é reconhecido por ninguém, claro. Mas ao saber de sua profissão, o interlocutor não costuma esconder o entusiasmo. Como o amor e ódio andam juntos, porém, não consegue evitar as críticas, que são sempre sinceras e cortantes. Quando alguém diz que um modelo seu é feio, a resposta é rápida: - O desenho não era assim. Não deixa de ser verdade. Da prancheta para as ruas, o modelo passa por várias modificações. Ainda bem. O primeiro esboço é um conceito, como um look feito por um estilista, que será usado apenas na passarela. Do papel vai para o computador, onde é feito uma esquete em três dimensões. É aí que entram os ''''vilões''''. São os engenheiros que pegam o ''''sonho'''' do designer e o transformam em realidade. Levam em conta do custo do carro às alterações que vão dar maior segurança. Nesse processo, porém, parte da criatividade é eliminada. Puro pragmatismo. Apesar de se sentir realizado como designer, Vincent, que já criava modelos de carros e aviões na infância, admite que só entrou na profissão por causa de um fantástico rosto feminino e lindos olhos azuis. Foi assim: depois de o general da Força Aérea pulverizar seu sonho de ser piloto de caças, foi trabalhar na empresa da mãe. Mas o pai advertiu: - Vai ter de voltar a estudar. Então, o adolescente foi a uma feira onde as universidades fazem propaganda de seus cursos. Passou por várias barracas, até chegar a uma, comandada por uma jovem. Por uma hora e meia, ele ouviu de boca aberta ela falar maravilhas do curso de design da Art Center College of Design, na Suíça. A moça era casada e não deu bola para ele. Além disso, a anuidade era caríssima. Mas Vincent se matriculou mesmo assim. Cinco anos depois, ele voltava à capital francesa para trabalhar na Renault. De Paris foi para Barcelona, Tóquio, Paris novamente, mais uma vez Tóquio e, depois de outros oito meses em sua cidade natal, foi convocado para trabalhar em São Paulo. Vibrou com a missão: a capital era um dos seus destinos favoritos nas férias. Vincent chegou para ocupar o primeiro cargo de chefia de sua carreira. É o responsável pelo Centro de Design da montadora para a América Latina, que será inaugurado no começo de 2008. Vincent é peça fundamental na estratégia da Renault de dar um toque local nos modelos que serão vendidos. A missão dele é captar a cultura latina e brasileira e adaptá-la aos carros que serão vendidos aqui. Como a Renault confia a tarefa a um francês, que mal fala o português, usa mais o espanhol e não dispensa o inglês? É por reconhecer suas limitações que Vincent, de 35 anos, não perdeu tempo. Desde que chegou a São Paulo, há dez meses, aproveita todas as oportunidades de conhecer a cultura do Brasil. Quando está na capital, usa o tempo livre, que não é muito, para conhecer a cidade. Diz adorar a Vila Madalena, o centro, os Jardins, a Liberdade, o Itaim e o Morumbi. Curiosamente, ao contrário de arquitetos e especialistas, ele se encanta com o caos da cidade. ''''Paris es linda, mas tem una unidad. Você faz una foto de um bairro e sabe que es Paris'''', conta, enquanto pega um doce francês, calissons d''''aix, enviado pela mãe. ''''San Paulo... é interessante, son várias cidades diferentes.'''' Vincent vê beleza até no contraste na imagem de um prédio luxuoso ao lado de uma favela. Diz que não é insensível à miséria. É que, como designer e artista, curte mesmo o contraste - entre formas, cores e conceitos. ''''O olhar é atraído pelo contraste'''', diz. Ele cita até o corpo da mulher brasileira, cheio de curvas, para provar seu argumento. ''''Os brasileños les gustan o contraste de volumes.'''' E afirma que isso vai aparecer nos projetos dos novos carros que ele e sua equipe estão criando. Ah, mas esse papo de curvas das mulheres não é apenas profissional. Na verdade, a atração vai além da busca por inspiração para curvas perfeitas em seus carros. O francês adora a mulher brasileira! Gosta do humor, da expansividade e do jeito como elas dançam. Claro, da variedade de tipos - e a mistura de raças. Tem namorada, Vincent? ''''Depende do dia.'''' ''''As japonesas daqui son mais bonitas do que as do Japão'''', diz, durante almoço num restaurante da Vila Madalena, onde se sentou de costas para a parede, para observar o ''''ambiente''''. Claro.

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