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O boooom de dona Cida

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Coitada da dona Cida: ela mora na edícula com quatro cachorros e seis gatos, além do marido. Se o problema dela fosse esse, tava ótimo. Mas o buraco é mais embaixo uns 30 metros, onde, no subterrâneo, está sendo construída a Linha 4 do Metrô de São Paulo - a mesma que construiu também o buraco da Marginal. Aliás, concluída aquela etapa, o túnel passou sob o leito do Rio Pinheiros (eu podia apostar que ele seria engolido) e seguiu em direção à Vila Sônia acompanhando o traçado da Avenida Francisco Morato. Com sua inovadora tecnologia de furar lá embaixo e ir rachando tudo aqui em cima, a Linha 4 cruzou a dona Cida na altura da Rua Roquete Pinto, no Butantã. O azar dela é que não apenas os paradigmas da engenharia estavam sendo quebrados. Há 20 anos a dona Cida trocou um apartamento nos Jardins por uma casa no Butantã. O negócio é que a sua cocker spaniel tinha ficado grávida de trigêmeos e realmente fez-se necessário um espaço maior. Então tava lá a dona Cida, cheia dos cachorros, tranqüila (nessa época com trema e tudo), quando, há dois anos, começaram as detonações do túnel. Soavam três alarmes e boooom! Rachou a parede a sala... Boooom de novo! Rachou o piso... Boooom! Estourou o cano do gás... Boooom! Começou a chover no quarto, estourou o cano de água, rachou a lareira, chovia dentro no armário embutido. Boooom! A dona Cida foi morar na edícula... A princípio, sua estada nos fundos seria de 3 meses. A edícula da dona Cida é tipo uma lavanderia com quartinho e banheiro de empregada, além do segundo piso onde funcionava um pequeno ateliê (dona Cida faz umas pinturas abstratas). Ela enfiou a máquina de lavar no banheirinho, descolou um fogão de duas bocas, pôs o computador debaixo da escada. No andar de cima, fez um amontoado de roupas e móveis, montou a cama e fechou a porta (tem um gato que não se dá com o outro, sendo obrigado a ficar no seguro). Nesse ínterim... Boooom! Na casa da frente, o teto da cozinha desabou, destruindo também o forro da sala. Para fazer o conserto, a cargo de uma empresa terceirizada pelo Metrô, tiveram de destelhar metade da construção. Ou seja: tendo se transformado em sem-teto, completam-se agora 10 meses que a dona Cida foi morar na edícula. Outro dia, no entra-e-sai de funcionários da empreiteira, dois bandidos de capacete e uniforme da companhia renderam a dona Cida, o marido e todos os pedreiros. Ao chegar na edícula, onde afinal estavam os pertences do casal, um deles ficou perplexo: "Mas que bagunça é essa??? Como é que vai achar alguma coisa nessa zona?" A dona Cida ficou triste - ainda que indesejada, o ladrão não deixa de ser uma visita. Maria Aparecida Bianconcini, a Cida, tem 64 anos. Seu marido, Sérgio, tem 65. Não vá dizer a eles que a solução para o caos de São Paulo é o metrô.

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