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O caminho de volta dos jovens do tráfico

Trabalho de ressocialização na zona norte do Rio dá novas ocupações a 30 ex-integrantes de facções criminosas

Por Emilio Sant'Anna
Atualização:

Aos poucos as expectativas de dinheiro, poder e reconhecimento se perderam. Restaram a violência, traições e noites em claro com um fuzil na mão. Para 30 jovens de favelas cariocas, a trajetória no tráfico começou a chegar ao fim nesse ponto. Integrantes de duas facções, Amigos dos Amigos (ADA) e Terceiro Comando (TC), suas histórias se cruzaram quando buscaram ajuda para recomeçar. A ajuda veio de um trabalho de ressocialização. Em Vila Isabel, zona norte do Rio, ao lado do complexo do Morro dos Macacos, a ONG Espaço Cultural Dom Pixote se tornou a referência para esses jovens entre 15 e 25 anos. "Eles mostram que é possível fazer o caminho de volta do tráfico", diz a diretora da entidade, Zilah Meirelles. Com o tempo começaram a aparecer jovens também de outras comunidades, vindos da Favela da Querosene e do Zinco, no Complexo do Morro de São Carlos; Favela da Lagartixa, no Acari; e Favela da Coroa, em Santa Teresa. Todos ficaram por até cinco anos no tráfico em funções como olheiros (responsáveis por avisar os traficantes quando a polícia ou facções rivais invadem o morro) até gerente-geral (o segundo na hierarquia do crime nas favelas). Hoje estão, em média, há dois anos longe do "movimento", forma como chamam o tráfico de drogas, trabalhando em empregos como motoboys, cabeleireiros, camelôs e até intérpretes de escola de samba. Mais do que o trabalho social, o que os manteve fora da criminalidade foi a possibilidade de contarem com um espaço de acolhimento, diz Zilah. Assistente social no Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (Nesa), da Universidade do Estado do Rio (Uerj), Zilah transformou a experiência num trabalho de doutorado realizado no Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, da Fiocruz. "São jovens inseridos em um mercado de trabalho, ilegal, mas ainda assim um mercado. E pior, com elevadíssima mortalidade", afirma Carlos Minayo Goméz, da Fiocruz. "Sabemos pouco sobre eles. É mais comum encontrar jovens que fugiram do ?movimento? para não morrer", completa. Indiretamente esse também é um dos motivos que levaram os jovens a deixar o tráfico. "Ele (jovem) entra muito cedo para o crime, sem entender o que está vivendo", explica Zilah. CRIA DO MORRO As histórias da entrada no crime se repetem. Eram todos adolescentes e com poucas perspectivas. "Não fumava, não cheirava e não tinha nenhum outro vício. Comecei a me envolver por bobeira mesmo. Tinha a mente fraca" , diz G.R.S., que entrou no tráfico aos 16 anos. C.S., de 19, entrou um ano mais novo. "Comecei a parar com a escola, ficava parado na boca. Pô, sou nascido e criado lá, sou cria do morro, conhecia todo mundo. Eles me chamavam para ajudar e eu ficava por lá o dia todo na zuação", afirma. "Se eu pudesse voltar no tempo, com certeza eu voltaria. Mas não posso", afirma R.A., 20 anos. Há cinco anos, começou a "parar no tráfico". Durante os três anos que permaneceu no crime, foi baleado duas vezes pela polícia e preso por assalto a mão armada. Como ainda era menor, passou dois meses no Instituto Padre Severino, na Ilha do Governador. Os três cresceram em famílias desfeitas. A falta de referências, porém, explica em parte o fascínio exercido pelo tráfico, diz Zilah. A entrada no "movimento" vira mais do que uma forma de ganhar dinheiro - é a busca por uma identidade durante a adolescência, uma fase da vida conturbada em qualquer classe social.

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