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O carioca que ganhou os palcos de SP

Felipe Hirsch, diretor da nova geração, estréia 2 peças

Por Valéria França
Atualização:

De boné, óculos de hastes grossas, tênis e moletom, ele é uma figura pop, que adora ficar perdido pelas ruas de São Paulo - cidade que escolheu para morar há um ano. Poucos o reconhecem e ele parece gostar desse anonimato. Carioca, criado na Curitiba de Jaime Lerner, Felipe Hirsch, de 36 anos, é considerado um grande talento da nova geração de diretores de teatro. Mas, quando vai tomar um café na Livraria Cultura, na Avenida Paulista, passa despercebido. É que suas obras se sobrepõem a sua imagem. Nos últimos três anos, ele esteve à frente de O Avarento, que marcou a última atuação de Paulo Autran; Thom Pain - Lady Grey, finalista do Prêmio Pulitzer de 2005; Educação Sentimental do Vampiro, com textos de Dalton Trevisan; e Avenida Dropsie, com histórias melancólicas e humanas de Will Eisner, que foi um dos mais influentes autores de histórias em quadrinhos. Hirsch é conhecido por ser multimídia. Lança mão de recursos como quadrinhos, cinema e fotografia para levar aos palcos espetáculos que surpreendem. Atualmente está em cartaz com a peça Não ao Discurso Amoroso, no Centro Cultural Banco do Brasil, e com O Castelo de Barba-Azul, ópera de Béla Bartók, sua primeira incursão no gênero. Até por isso sua estréia no Teatro Municipal, no domingo passado, contou com platéia seleta, formada por famosos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o diretor de cinema Hector Babenco e o arquiteto Isay Weinfeld. ''Felipe Hirsch é uma das grandes notícias do teatro brasileiro recente'', diz Arnaldo Jabor, que também viu o Castelo de Barba-Azul. ''Felipe extraiu da ópera apenas o essencial e montou uma fábula extremamente minimalista.'' Os personagens principais, o Duque Barba-Azul (o baixo-barítono Stephen Bronk) e Judite (a soprano Céline Imbert), fazem uma viagem de autoconhecimento conduzida pela abertura de sete portas de calabouços, que escondem os segredos do castelo. ''As portas são espelhadas e refletem imagens inicialmente projetadas no chão, que formam o cenário base, dando a impressão de uma holografia'', explica Hirsch. Como mágica, outras figuras, como lágrimas, instrumentos cirúrgicos e plantas, flutuam na frente dos personagens. ''Também são imagens projetadas, mas sobre uma película preta tão fina que o público não consegue ver. Daí a sensação de flutuarem.'' Para colocar sua idéia em prática, Hirsch teve a ajuda do assistente Murilo Houser e de Daniela Thomas, que assina a cenografia. Enquanto cuida dos acertos finais dos espetáculos, Hirsch dá andamento a mais de 15 projetos, incluindo o primeiro filme, Isolação, que trata da perda das utopias. ''Ele será filmado em Brasília, mas a minha história se passa numa cidade pequena do interior.'' Foi para mergulhar nesse processo produtivo contínuo que o diretor veio para São Paulo. ''Aqui não preciso pensar em mim. Essa é uma cidade que não pressupõe uma rotina como aula de pilates, caminhada ou mesmo ganhar mais dinheiro para comprar uma TV de plasma. Não tenho essa relação com o mundo. São Paulo é uma cidade para se observar o outro.'' E o Rio? ''O Rio é um lugar dissipante, como dizia Tom Jobim. Se você esquecer que o Rio é maltratado, a cidade prova que o indivíduo pode ser feliz no seu ambiente. Isso gera outra relação com seu trabalho, com o que deixa no mundo. O Rio é pleno e não estou preparado para isso.'' Atualmente, mora num apartamento na Avenida Paulista. Diz que tem sempre vontade de sair de bicicleta, mas teme ser atropelado. Para espairecer, viaja uma vez por ano, sempre para os mesmo lugares: Londres e Nova York. Ele não é baladeiro, mas adepto do programa mais paulistano que existe: sair para comer, ir ao teatro e passear pelas livrarias. ''A casa dele virou ponto de encontro. Pedimos pizza e jogamos War e Detetive'', diz o ator Guilherme Weber. Amigos de adolescência, fundaram a Sutil Companhia de Teatro, em Curitiba, em 1993, e desde aquela época trabalham juntos. CRIAÇÃO Hirsch fica muito em casa, mais especificamente no escritório, rodeado por 7 mil livros, 4 mil CDs e 2 mil DVDs. Depois de passar horas na frente do computador, reclama de dor nas costas. ''Isso não é novo para mim. A felicidade é mefistofélica. Sofro se não criar.'' Espécie de antena parabólica, o diretor capta tudo à sua volta, mesmo quando sai para curtir a vida. Tudo pode virar uma referência, o início de uma longa pesquisa. ''Ele enxerga tanta coisa, faz tantas conexões'', diz Weber. ''Para o artista, tudo vira trabalho. Não conseguimos dividir o dia assim tão cartesianamente como em outras profissões. E como ele trabalha com os amigos, isso se intensifica mais ainda.'' Em outras palavras, o homem trabalha o tempo todo. ''Não bebo, não fumo e não me drogo. A minha droga é o trabalho. Só consigo dormir longas horas, com todos os músculo do corpo relaxados, logo após a estréia de uma peça'', diz Hirsch, que normalmente dorme cinco horas por noite. ''Passo a noite trabalhando e só vou para cama quando o dia está amanhecendo.'' É a hora que o silêncio impera, o celular não toca e ele se concentra. ''Na verdade, gostaria de ter nascido agora. Sou fascinado pelo acúmulo de informação a que essa geração tem acesso. Na minha época - é estranho falar assim -, a gente comemorava quando conseguia um vinil mais pesado. O que me frustra é a forma como essa geração lida com isso. A forma de consumo é muito sedutora. Mas é importante, por exemplo, entrar no show de um Rufus (Wainwright) e saber o que ele está querendo dizer.''

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