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O centro de SP como ele é: artistas, pregadores, engraxates, camelôs...

Personagens que sempre existiram fazem parte da paisagem humana da maior metrópole brasileira

Por Edison Veiga
Atualização:

Um poeta diria que se trata da "sinfonia popular". Entre os que frequentam aquele caos urbano diariamente, há os que não suportam a muvuca, os que convivem bem com ela e os que, paulistaníssimos, a adoram. Não é para menos. Por dia, 2 milhões de pessoas circulam pelo centro de São Paulo. Muitos se deparam com personagens curiosos, cujo tempo de existência atravessa gerações e confere a eles o selo informal de "patrimônio" da, digamos, paisagem humana da metrópole. Nem bem o sol nasce, antes mesmo de os ambulantes instalarem ali as banquinhas de DVDs piratas, bolsas e bijuterias, o que se veem são carrinhos de café da manhã - a broa custa R$ 0,50; o pedaço de torta sai por R$ 1. "A freguesia é ótima. O problema é quando chega o fiscal", diz Dalva, de 54 anos, que todos os dias sai às 4 horas do Jardim Ângela para vender quitutes perto da Praça da Sé. Adélio, de 25 anos, teve outra ideia: canjica no copo, por R$ 0,50. "Mas fico só até 8 horas", conta. "Quando os ?home? (da fiscalização) chegam, vou embora." Com medo de uma punição, ninguém dá sobrenome. Às 7 horas, o comércio nos calçadões ainda está todo fechado. Os camelôs são poucos - não chegam a 15 na Rua Direita. Uma hora mais tarde já estarão em tão grande número que, misturados à multidão, se tornarão incontáveis. "Olha o CD, um é cinco, três é dez, um é cinco, três é dez", apregoa um deles. A vozearia concorre com os homens-sanduíche, tradicionais "marqueteiros da rua". Em seus jalecos, a diversidade de anúncios: "compro ouro", "foto", "atestado de saúde", "advogado"... E há os que gritam "óóó-ticaóóó-ticaóóó-tica", assim, com separação silábica e entonação características. "Em média, ganho 10% da venda a cada freguês que consigo", diz Antonio Neves, de 48 anos, alagoano de Maceió, que desde que chegou a São Paulo, há três anos, sobrevive como "anúncio ambulante". Em dois quiosques retrôs bem arrumadinhos na Praça Antonio Prado trabalham 16 engraxates. Um deles é Valdivino Pereira Furtuoso, nascido em Carbonita (MG) há 50 anos. "Faço de 15 a 18 ?graxas? por dia", garante ele, no ramo há 11 anos. "Naquele capricho, levo 15 minutos por cliente." O serviço custa R$ 5 e o maior movimento é na hora do almoço, quando os engraxates engatam um coro insistente aos transeuntes: "Graxa aí? Graxa aí? Graxa aí?" E é nessa hora que o paulistano Edson Fernandes - ou, como prefere, Edson Pana -, de 43 anos, encarna o Palhaço Paninha e se esforça para atrair clientela a um restaurante por quilo. "É o espetáculo do almoço, um shoooow de almoço", repete aos passantes. Ator desde 1986, ele ganha a vida animando festas infantis e frentes de lojas. "Trabalho como se fosse o dono do estabelecimento, visto a camisa", alardeia ele, que fatura em média R$ 150 por dia. "Preciso fazer com que o cliente acredite no que eu falo." Alheio ao barulho, o desenhista William Cabral Martins, de 42 anos, faz da rua seu estúdio. Retrata as pessoas, seja ao vivo, seja reproduzindo fotografias. Cobra de R$ 15 a R$ 100, conforme o tamanho da obra. Há também os pregadores. Entre os inúmeros que atuam na região, uma excêntrica "performance" foi presenciada pela reportagem. Aline Salgueiro Castanho, de 18 anos, utilizava a pintura para levar sua mensagem, na Praça Antonio Prado. Ela integra a Organização Palavra da Vida, um grupo ecumênico que roda o Brasil divulgando o Evangelho. "Não queremos defender nenhuma religião, mas sim o que foi designado para nós", explica ela, que é de Vitória (ES) e pertence à Igreja Batista. "Jesus é a única ponte para chegar a Deus. Apenas a cruz nos liga a Deus." A poucas quadras dali, na esquina das Ruas 15 de Novembro e da Quitanda, um outro grupo de religiosos tem provocado polêmica. Com uma pregação enérgica - e muitas vezes lançando mão de palavras obscenas -, eles chamaram a atenção da ONG Educa São Paulo, que, em abril, entrou com uma representação no Ministério Público Estadual pedindo providências para que o grupo deixe o local. "Estamos apenas cumprindo a missão que Deus nos deu", se justifica um deles, que preferiu não ser identificado. Perto dessa esquina, atua o rei do Ibope da rua: o mágico e contorcionista Silvio Romero de Sousa, nome artístico de Moisés Felix da Silva, de 43 anos. Em suas apresentações, reúne dezenas de pessoas. Pega emprestado um par de óculos de algum espectador e o "transforma" em um fajuto de plástico, ensaia golpes de capoeira e não aceita dinheiro pelo show. Mas, ao fim de cada espetáculo, vende óleo de copaíba e sabonete de juá - a preços decrescentes, conforme o interesse do público. "Aqui é show de rua. Ninguém é obrigado a parar. Não quero enganar ninguém", diz ele, conhecido como Baiano - apesar de ser pernambucano do Recife. Há 18 anos em São Paulo, trabalhou como vendedor do Mappin e das Casas Bahia. "Na hora do almoço, ficava olhando as pessoas se apresentarem na rua. Aprendi e há seis anos vivo disso", relata, lembrando que complementa a renda com shows em aniversário - R$ 100 por três horas. É apenas um dos muitos artistas que podem ser vistos pelas redondezas. Imóveis, à espera de uma moedinha para interagir com o público, não são poucas as estátuas vivas. Uma delas é representada pelo paulistano Leandro Moreira dos Santos, de 29 anos, que se pinta de preto e branco e imita um robô. "Já trabalhei como vendedor de cintos em feira livre e danço ?break?", afirma. "Mas gosto de me apresentar aqui para sentir a sintonia do povo." Povo este já habituado às figuras pitorescas do dia a dia das ruas centrais da capital.

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