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O desenhista de São Paulo

Há mais de uma década, Marcelo Senna, um ?lírico da imagem?, retrata cenas cotidianas da capital em grafite

Por Adriana Carranca
Atualização:

Quando menino, Marcelo Senna passava as tardes, depois da escola, observando a cidade sentado no terraço do sobrado de três andares onde vivia, na Vila Gumercindo, zona sul de São Paulo. "Dali eu vi toda a Vila Mariana crescer." As imagens ficaram registradas não só na memória da infância, mas nos primeiros rabiscos a lápis. E, hoje, fazem parte do acervo do artista autodidata conhecido no métier das artes como o desenhista de São Paulo. "Atualmente, as melhores paisagens urbanas de São Paulo são retratadas por Senna, um lírico da imagem. Ele nos oferece uma cidade grandiosa, num traço seguro e sereno", diz o jornalista e crítico de arte Oscar D?Ambrosio. "Havia preconceito com relação a desenho, mas isso está sendo derrubado com a redescoberta nos últimos dez anos de desenhistas europeus e, no Brasil, o trabalho de artistas como Senna contribuem para essa valorização. Ele tem versatilidade técnica incrível." O hábito de observar a cidade de cima, ele mantém. Já subiu no relógio do Hotel Jaraguá e na caixa d?água da Biblioteca Mário de Andrade, no centro. Sua última tela, um retrato da Avenida Paulista, foi feita de uma caixa d?água, no topo de um prédio de 16 andares no Paraíso, onde passou um dia desenhando, do amanhecer ao cair da noite. "Desenhar ao vivo é muito mais emocionante", diz. Em algumas telas, Senna retrata paisagens a partir de fotos, como em Periferia, sua preferida, criada a partir de cem imagens feitas por ele em um giro pelo Jardim Miriam, no limite com Diadema. Em outras, cria uma São Paulo própria, como em Símbolos de Uma Cidade, exibida durante a Virada Cultural no saguão da Prefeitura. Num painel de 7 m x 1,80 m, ele fez caber São Paulo inteira ou o que se entende por ela. A cidade em resumo, digamos. Em sua criação, a estátua do Borba Gato foi parar na frente da Catedral da Sé e, ao seu lado, a Oca do Ibirapuera com as girafas do zoológico atrás. O 14-Bis da Praça Campo de Bagatelle aparece sobre o Viaduto do Chá, assim como o Museu de Arte de São Paulo; e uma linha de metrô desce a Rua da Consolação. É uma versão ainda mais caótica do que a metrópole real, espécie de Guernica da cidade. A obra foi avaliada por marchands entre R$ 60 mil e R$ 100 mil e está sendo negociada pela Prefeitura. O artista também desenha por encomenda, entre R$ 1.500 e R$ 4 mil o metro quadrado. "Uma tela grande me desgasta todinho", diz. Em cada trabalho, ele usa, em média, 36 lápis pretos de ponta 6B, macia, e três caixas de grafite 0,7 mm para os traços mais finos. A fase São Paulo a lápis começou em 1998. Antes, Senna pintou o mar. Imprimiu seis postais com desenhos seus para vender e saiu viajando como um hippie. Chegou até Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. "Da saudade de São Paulo surgiu o desejo de retratar a cidade", diz. Recomeçou como letrista de rua - na Avenida do Cursino, quase todos os anúncios de lojas de carros são dele - e foi ajudante-geral de um professor da Escola Pan-Americana de Arte, de olho no que podia aprender com ele. "Eu tinha o dom, mas não sabia o que fazer com aquilo. Aí comecei a ler a vida sofrida de artistas como Van Gogh e, então, decidi: rico ou pobre, é isso o que eu vou fazer da vida." E, quando o artista retrata algo, ele explica, passa a viver aquilo intensamente. Senna passou a viver São Paulo. Ele não sai do centro, onde redescobriu a paixão por arquitetura. Senna tem sido colocado no patamar de artistas como Gregório Gruber, que retrata São Paulo desde a década de 1970, principalmente, em pinturas a óleo e em pastel. "No século 19 tínhamos uma série de paisagistas, com Benedito Calixto como referência", diz D?Ambrosio. "Os traços e a ausência de cores nos desenhos de Senna trazem um novo olhar sobre a cidade." Senna explica: "Quando ando pelas ruas, minha mente transforma tudo o que vejo em desenho", diz o artista. "Tenho paixão por São Paulo!"

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