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O dono do arranha-céu

Há quatro décadas, Waldomiro Zarzur construiu o prédio que até hoje é o mais alto de SP

Por Edison Veiga
Atualização:

De sua sala, no 44º andar de um arranha-céu na Avenida Prestes Maia, o engenheiro Waldomiro Zarzur enxerga longe. Tem um horizonte que quase não existe mais na São Paulo cheia de prédios. O seu, aliás, é o maior de todos - com 170 metros de altura, o Palácio Zarzur ficou pronto em 1966 e até hoje não foi superado. Saiu da prancheta do "doutor Waldomiro", como é tratado por seus funcionários. "Tenho muito orgulho deste edifício", não se cansa de afirmar, com sua voz rouca. "Pelas leis de zoneamento atuais, não acredito que alguém vá superá-lo." Aos 87 anos, doutor Waldomiro contabiliza 242 obras em sua carreira, 90% na capital. São 6 milhões de metros quadrados construídos. Mas não é de todas que gosta de falar. O São Vito e o Mercúrio, construídos por sua empresa, acabaram virando símbolos da degradação do centro paulistano. São assuntos nos quais ele e sua família preferem nem tocar. Quando projetou o Palácio Zarzur, já imaginava que os últimos andares seriam ocupados por sua construtora. "Nem pensei que ia ser o maior da cidade ou coisa parecida. Eu queria fazer o máximo que desse para fazer." A explicação para tamanha altura é simples: o ser humano, lembra o doutor, gosta de ficar lá em cima. "O homem quer voar. Tanto que os andares mais altos são sempre os primeiros a serem vendidos." Bem-humorado, ele conta que durante a construção do arranha-céu houve quem tentasse demovê-lo da idéia. "As regras da engenharia não permitiam um prédio tão grande de concreto. Tinha de ser estrutura metálica", lembra. "Depois, houve uma campanha desgraçada contra nós, insinuaram até que a construção iria derrubar o Viaduto do Chá. Tudo sem qualquer base técnica." Atualmente, funcionam ali 146 lojas, 812 salas e 60 salões comerciais. Doze elevadores servem ao prédio de 75 mil metros quadrados, onde trabalham 10 mil pessoas. O prédio é 10 metros mais alto que o Edifício Itália. E essa boataria difamatória não foi a única contra o Palácio Zarzur. Em 1972, após o trágico incêndio que consumiu o Andraus, na Avenida São João, dizia-se que a próxima vítima seria a menina dos olhos do doutor Waldomiro. Para desassociar o nome da conotação negativa, o engenheiro decidiu rebatizar o prédio: virou Mirante do Vale. Entretanto, até hoje ele só se refere ao edifício pela denominação original. "Arrependi-me da mudança", conta. "Vou ver se consigo voltar ao que era." Construir o arranha-céu levou cinco anos. Doutor Waldomiro era um engenheiro com considerável experiência. Sua primeira obra, uma casa na Rua Afonso Brás, na Vila Nova Conceição, foi executada quando tinha apenas 21 anos e ainda estudava Engenharia no Mackenzie. "Foi encomenda de um tio." Nessa época, a amizade com o também estudante Aron Kogan transformou-se em sociedade - que durou até 1960, quando Kogan foi assassinado e Waldomiro assumiu a empresa. Outra obra especial para o engenheiro é a residência nos Jardins onde mora com a mulher, Ilda, desde 1960. "Casei-me em 1957 e a casa era para ser um presente para ela", conta. "Mas não ficou pronta a tempo." Nos três anos seguintes, tocou a construção sem contar nada à amada. "Ela só entrou na casa quando estava pronta." No mesmo ano, a empresa de doutor Waldomiro concluiu a instalação do Monumento a Duque de Caxias, escultura de Victor Brecheret (1894-1955), na Praça Princesa Isabel. Uma novela que parecia interminável. A comissão criada em 1939 para homenagear o patrono do Exército contratou Brecheret em 1942. A responsabilidade foi transferida à Prefeitura, que recebeu o modelo do escultor três anos mais tarde. Somente entre 1948 e 1952 foi feita a fundição do bronze, no Liceu de Artes e Ofícios. Para comemorar o andamento dos trabalhos, o governador de São Paulo, Ademar de Barros, e outras autoridades participaram de um almoço servido no interior da barriga do cavalo para 50 convidados sentados e 20 em pé, em 1950. Em 1953, a empresa de doutor Waldomiro foi chamada com a missão de concluir o monumento: construir o pedestal, revesti-lo de granito e colocar a estátua de bronze no topo. Uma estrutura metálica precisou ser feita especialmente para a montagem. A inauguração finalmente aconteceu no dia 25 de agosto de 1960, Dia do Soldado. O monumento tem 40 metros de altura, sendo 16 de estátua e 24 de pedestal. "Quarenta toneladas de bronze", recorda-se o engenheiro, escandindo as sílabas, com um sorriso de satisfação. Ele conta que, dias antes da montagem final, houve outro almoço dentro da barriga do cavalo. Desta vez, nada de pompa. "Foi para os empregados, os peões da obra", conta. "Tinha 26 pessoas. Não foi colocado prato nem nada. Era na base do sanduíche." E o senhor participou? "Não, não. Eu só olhei." Casado, quatro filhos, 12 netos, doutor Waldomiro expandiu seus negócios para além da engenharia. Hoje, o grupo W Zarzur, com cerca de 700 funcionários, investe em agropecuária, administra hotéis e, desde 2000, mantém pequenas usinas hidrelétricas no interior paulista e em Mato Grosso. Em um pesado álbum de fotografias, guarda as imagens de grande parte das obras que construiu. Folheia as páginas e vai se lembrando das histórias, reavivando um passado que se mistura ao da própria cidade. Quando vê a foto da Catedral de Nossa Senhora do Paraíso, que ele, católico, ergueu em 1952, seus olhos brilham. "O dinheiro que o padre arrecadou não dava nem para as fundações. Tive de completar", diz. "Para economizar, fizemos toda de alvenaria." Suas memórias estão contadas no inédito livro Waldomiro Zarzur - Um Empresário Paulista da Construção Civil, organizado pela professora Maria Ruth Amaral de Sampaio, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Ele não pretende publicar em vida. E se negou a emprestá-lo à reportagem do Estado. "Quando eu morrer, vocês vão ganhá-lo."

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