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O hotel Othon numa tarde de 1957

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Por Redação
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Celso Jardim, chefe de reportagem do Última Hora, me olhou: "Vai você." Tremi. Era meu primeiro dia, minha primeira tentativa de trabalho em São Paulo, março de 1957. Teria de entrevistar um homem de nome Eisenhower, saber se era parente do então presidente americano, saber por que estava no Brasil. Meu inglês precário era o do ginásio e científico - naquela época aprendíamos línguas na escola. Não conseguir aquele emprego poderia significar a volta à minha terra, coisa inadmissível. São Paulo era tudo, mais que Paris, Nova York. "O homem está no hotel Othon. O senhor me dá dinheiro para o táxi?" Ele sorriu do caipira, a redação riu. "Táxi? Suba a escada de Santa Ifigênia, ande umas quadras e está no hotel." O jornal era no Anhangabaú. Santa Ifigênia era o viaduto colado à redação. Saí, fui perguntando (a escada não existe mais), andando, cheguei ao hotel. Entrevistei o homem, um arquiteto teatral, primo do presidente americano, sujeito simpático que se divertiu comigo, escrevia palavras quando eu não entendia, fazia desenhos. Para voltar, perdi-me um pouco, mas cheguei, redigi três vezes até o Celso aceitar, no dia seguinte ganhei chamada de primeira página, uma distinção conferida aos cobras do jornal. Aquele americano jamais saberá de que me lembrarei dele por toda a vida. Ganhei o emprego. Aliviado, vi que não precisaria voltar ao interior. Disse Hemingway um dia: "A última coisa que um homem derrotado deve fazer é voltar à própria terra." Conquistar São Paulo, "vencer" no Eldorado, era um sonho. Todas essas coisas me vieram à cabeça terça-feira de manhã quando, a caminho do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), passei pelo Othon e o vi fechado. Rodeei, havia uma luz acesa lá dentro, um homem dentro do balcão de recepção. Janelas estavam abertas. Veio uma vontade imensa de penetrar no prédio, ver como está por dentro. O que entrevistei de celebridade ali. Elas vinham para o Othon. Frankie Laine, o cantor, foi uma; Sammy Davis Jr. outra, para citar duas. Sammy estava hospedado com Norma Bengell. E um primeiro-ministro russo, um presidente argentino, uma miss universo. E JK. E coletivas, coquetéis, matérias exclusivas. Era famosa a rivalidade com o Hotel Jaraguá. O início de minha carreira nesta cidade está ligado àquele prédio agora escuro, triste, entrando em decadência. Pensei: como entrar, subir e olhar os apartamentos, suítes, escrever uma nostalgia? O Othon é parte da história de São Paulo, de um momento dos anos 50, quando a cidade fervia embalada pelo desenvolvimentismo. Fiquei meia hora ali, a cabeça viajando, quase perdi o compromisso no CCBB, mas valeu a pena. Porque o hotel me reconheceu, juro que se lembrou de mim, acostumado a abrigar tanta gente. Não só me reconheceu como - podem acreditar - se abriu uma janela no primeiro andar e ela me disse: "Naquela tarde de 18 de março de 1957, sua cara, quando chegou, era a de um molecão ansioso e com medo, mas também mostrava alegria, entusiasmo. Agora, você envelheceu, está sereno. O que foi feito de sua vida? E o que será da minha?"

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