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O leilão Saint Laurent-Bergé

Por Gilles Lapouge
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Para onde foi a crise? Há 48 horas que jatos privados aterrissam no aeroporto de Bourget. Os hotéis e palácios parisienses estão fervilhando de nababos. Senhores muito ricos e senhoras muito lindas, antiquários, marchands, astros como Paul Smith, Charlotte Rampling ou Dustin Hoffman, vindos do mundo inteiro, esperam o "grande acontecimento". Qual acontecimento? O leilão da coleção reunida, durante meio século, pelo costureiro que foi Yves Saint Laurent e por Pierre Bergé. Yves Saint Laurent morreu no ano passado. Pierre Bergé coloca à venda a totalidade dessas obras-primas. É uma verdadeira gruta de Ali Babá. Os 733 lotes serão dispersados em três sessões. Eles estão estimados em 300 milhões. Paris nunca viu um leilão assim desde antes da guerra. Antes do leilão, a coleção ficará exposta por dois dias e meio sob os altos vitrais do Grand Palais. Vertiginosa musa efêmera. Jamais tantas belezas foram reunidas por um espaço de tempo tão curto: como que para fazer, de um pequeno intervalo de tempo, a sombra cintilante de uma eternidade. Como é impossível enumerar todas as peças do tesouro, o que reter? Um Brancusi sobre madeira de 1914, um Picasso de 1914 ou um Matisse de 1911? Como esquecer a poltrona com dragões art déco de Eileen Gray ou as peças arqueológicas? E quem admira Léger ou Mondrian descobrirá também uma pequena maravilha: um Franz Hals. Aliás, será a sala de jantar do século 18 de Saint Laurent ou o Salão de Música com sua sequência cintilante de 15 espelhos Claude Lalanne. Desde segunda-feira, 150 pessoas se atarefam organizando o tesouro. O "leilão de prestígio", que começa amanhã, fará história: uma sala com 1.200 pessoas sentadas e 300 em pé, ou seja, duas vezes mais que os maiores leilões de Nova York. São 100 telefones para lances, 300 jornalistas internacionais, 200 pessoas em lista de espera. Melhor que uma partida de futebol entre Real Madrid e Juventus. Os 6 mil exemplares do catálogo estão terminando. E cada catálogo pesa 10 quilos. MOTIVAÇÃO Uma palavra sobre os motivos desse leilão. Pierre Bergé, que escolheu juntamente com Saint Laurent cada um desses objetos, já não sente a necessidade de conservá-los agora que Saint Laurent se foi. Como se esse leilão, sob o grande retrato de Saint Laurent, fosse "o luto explodindo de felicidade". O produto da venda será integralmente transferido para a Fundação Saint Laurent, ou seja, para obras de caridade, como a pesquisa sobre aids. Pierre Bergé é uma figura rara. Esse homem de esquerda é menos um "patrocinador" que um "mecenas" à maneira dos grandes senhores da Renascença. Fascinado pela arte, pela literatura e pela luta política, ele usa sua fortuna para causas nobres. Melômano, foi diretor da Opéra Bastille que o presidente François Mitterrand havia criado. Eu conheci Pierre Bergé porque ele fundou vários prêmios literários. Fiz parte do júri de dois desses prêmios: o prêmio Jean Giono e o Mac Orlan. Portanto, vejo Bergé uma dezena de vezes por ano. Nossas reuniões são alegres, descontraídas e apaixonantes. Posso atestar a sua seriedade, a incorruptibilidade dos prêmios que ele preside, sua vasta cultura e a segurança de seus juízos literários. Esse homem que conheceu tudo que conta, tanto Jean Giono como Jean Cocteau, Christian Dior e as condessas do 7º arrondissement que parecem sair dos romances de Marcel Proust, os cantores e atrizes mais ilustres, permaneceu de uma simplicidade de água cristalina. Por pouco, ele quase nos faz amar os ricos. Há alguns anos, Yves Saint Laurent doou um retrato de Goya ao Museu do Louvre. Ontem, soube-se que Pierre Bergé, como prelúdio ao leilão, ofereceu ao Estado francês a famosa tapeçaria de Edward Burne-Jones. Essa tapeçaria é estimada entre 400 mil e 600 mil. * Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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