O maestro e a metrópole

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Tendo feito implante capilar, o Juarez ficou parecido com um Cauby que tivesse passado por uma tosa moderada. Também a impostação de sua voz se assemelha à do famoso cantor. O anel dourado no dedo mindinho, também. E as unhas: o Juarez faz as unhas. Tudo isso se justifica pelos 29 anos em que o Juarez não foi o Juarez, mas "O Pianista do Cauby" - praticamente um nome próprio e por isso em maiúsculas. Além disso, e talvez o mais importante, ele foi criado pela mãe do Cauby. E o próprio era seu tutor, uma espécie de pai. De forma que o Juarez era ao mesmo tempo filho e irmão do Cauby - um tio de si próprio. As coisas se encaminharam dessa maneira porque o Juarez, hoje com 58 anos, perdeu a mãe ainda criança. Naquele tempo não tinha isso de exploração infantil. Exploração infantil era a criança ficar vivendo de mesada, explorando o pai. Por isso o pequeno Juarez conseguiu emprego numa loja de instrumentos musicais. O dono da loja conseguiu para o Juarez um professor de piano. E o Juarez conseguiu para si mesmo um lugar como músico do Cauby. Quando o pai do Juarez morreu, ele ainda era menor - mas já excursionava com o Cauby e foi agregado como parte da família. Não havia banda: havia o Cauby (e, não merecendo nem este parêntese, O Pianista do Cauby). Um aplicado coadjuvante, Juarez é autor de uns 20 arranjos de sucesso, entre eles Bastidores, New York e... bom, uma Conceição em ritmo de pagode. Um dia, porém, Juarez decidiu ser o Juarez. Separou-se do Cauby e fundou a Society Band Juarez Santana, uma orquestra de 20 músicos para tocar em bailes no Rio. Acontece que não existia mais bailes e orquestras tinham sido substituídas por aquele sujeito que toca teclado de churrascaria em recepção de casamento. Diante da falência múltipla causada pelos órgãos, Juarez retirou-se de cena, mudando-se para um sítio em Atibaia, onde guarda um invejável Jeep Willys 1966. Planejava o Juarez quedar-se por lá, fazendo da cidade grande o seu retrato em branco e preto. Mas o que é que pode o Juarez contra o encanto desse lugar que ele nega tanto, evita tanto, e que no entanto volta sempre a enfeitiçar? Com fogo no rabo, não demorou a procurar os amigos em São Paulo: precisava de público para a sua definitiva interpretação de Take Five. Assim foi se enfronhando entre os músicos da Rua Avanhandava - mais de duas dezenas de bateristas, pianistas, baixistas, trompetistas, saxofonistas e cantores contratados para os bares e restaurantes de Walter Mancini. De segunda a segunda, vê-se agora o Juarez atravessar a Avanhandava, revezando-se entre o restaurante, a pizzaria e o piano-bar que ali se localizam. Ele próprio localiza-se na Avanhandava: alugou apartamento na rua, mantendo a aposentadoria de seu Jeep 66. São Paulo tem todos os problemas do mundo - mas é um raríssimo lugar onde se tocam todos os pianos. E até as orquestras. (Nesta quinta, a Society Band promove sua reestréia, no Círculo Militar, sob a batuta do remoçado Juarez.)

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