O mago dos museus

Marcello Dantas, em cartaz em SP, chega à 101.ª mostra interativa mundo afora

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Por Valéria França
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Com jeitão bonachão e simpático, próprio dos cariocas, Marcello Dantas, de 42 anos, ganhou fama por ser uma espécie de mago da museologia, um talento para transformar assuntos áridos em diversão garantida para todas as idades, em qualquer lugar do mundo. E, para isso, sempre recorre ao que há de mais novo em tecnologia para criar realidades virtuais, que levam o público a uma viagem interativa completa. Em 2006, por exemplo, dentro do Centro Cultural Banco do Brasil, numa mostra do artista plástico indiano-britânico Anish Kapoor, simulou um furacão de 36 metros de altura, que se movia a uma velocidade de 130 quilômetros por hora. Na semana passada, levou ao Parque do Ibirapuera um pedaço do Rio para comemorar os 50 anos de bossa nova em São Paulo, Bossa na Oca - exposição que fica em cartaz até 7 de setembro. No prédio da Oca, montou o calçadão de Copacabana, com direito a areia e mar, no subsolo. No último andar, transformou o teto arredondado numa grande tela, onde são projetadas imagens aéreas do mar carioca. Em poltronas de couro, equipadas com pequenos alto-falantes, o público sobrevoa até o Pão de Açúcar, mas sempre ao som de músicas como Barquinho, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Há quem fique por lá por mais de meia hora. Há mais de Marcello pela cidade. No Centro Cultural Banco do Brasil, próximo à Praça da Sé, a exposição Luza, a Matriz Portuguesa, com entrada franca, apresenta 127 peças, a maioria emprestada por instituições de prestígio como o Museu Nacional Arqueológico de Lisboa e o Museu Islâmico de Mértola. É também dele a direção artística do Museu da Língua Portuguesa, na Luz, inaugurado em março de 2006, com um acervo inovador e predominantemente visual. Sucesso de público e muitas vezes recordista de fila de bilheteria, no primeiro ano teve o dobro da visitação do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Na Avenida Faria Lima, nos Jardins, um trabalho diferente, projetou o interior do Octávio Café, que ganhou uma passarela com luminosos interativos no chão que contam a história do café. PELO MUNDO Tem mais coisa? "Nos últimos dez anos fiz 101 exposições", contabiliza Marcello, depois de refletir um pouco. "Olha só, não tinha me dado conta disso. Sem querer, deixamos de comemorar a centésima exposição." Fora do Brasil, montou trabalhos na Alemanha, na Espanha, na Itália, na Colômbia e agora está com um projeto em Abu Dabi (capital dos Emirados Árabes). " Ele tem uma cabeça impressionante para números e soluções técnicas", diz Carlos Nader, com quem dividiu a curadoria de Bossa na Oca. "Ele consegue como poucos estabelecer a ponte entre o meio artístico e instituições patrocinadoras." Antes de enveredar pelo mundo do cinema e fazer pós-graduação em Telecomunicações Interativas pela New York University, Marcello entrou para o Instituto Rio Branco, em Brasília, onde teve professores como Francisco Rezeck, ex-ministro das Relações Exteriores, e Rubens Ricupero, diplomata de carreira e ex-ministro da Fazenda. Marcello fala fluentemente cinco línguas. Também domina as regras da etiqueta, que diz ter aprendido com o pai, um empresário do ramo químico (sua família não tem nada a ver com a do ex-banqueiro Daniel Dantas). Toda essa bagagem ajuda nos 400 mil quilômetros que roda de avião por ano, pelo mundo. Há cerca de três anos, resolveu trocar o Rio por São Paulo. "Não acho o trânsito de São Paulo tão caótico como dizem." Pudera: ele não chega a circular nem 400 quilômetros de carro por ano. Onde mora, nos Jardins, zona sul da cidade, faz tudo a pé, do passeio no shopping às compras de supermercado. "Sempre quis morar em casa e ter cachorro. Isso é impossível no Rio." No quintal da nova casa, embaixo de um caramanchão, faz quase todas as refeições do dia com parte da equipe da Magnetoscópio, empresa que montou em 1990, a 100 metros de sua casa. "A vida do Marcello é o trabalho. Já o flagrei, no quarto de madrugada, navegando na internet do celular, porque acordou com uma idéia nova", diz a mulher, a gaúcha Angela Magdalena, de 35 anos, mãe de sua terceira filha, Lara, de 6 anos. Por isso os almoços coletivos, no caramanchão, que ele prepara com o auxílio de um harém. Na quarta-feira, com ajuda de cinco mulheres, serviu peixe amazônico, com alho poró e castanhas de caju; arroz basmati, de origem indiana, com grãos longos e gosto de nozes; sêmola de grânulo duro, no azeito trufado; e eringy, cogumelo da gastronomia japonesa. "Marcello é uma criança que adora ser mimada", explica a mulher. Até pode ser, mas se não fosse sua equipe afiada - são 36 pessoas - não daria conta de tanto trabalho. "Elas assumem tarefas específicas para evitar disputas ", diz Marcello. Uma de suas assistentes, por exemplo, tem a função de ler e selecionar tudo de mais novo que sai no mercado editorial internacional. Chega às suas mãos apenas o material que realmente vale a pena. Também são importantes no processo as filhas, além de Lara, Enrica, de 17, e Catarina, de 15. "Através delas, consigo rejuvenescer meu olhar", diz Marcello. "Uma exposição só é considerada boa quando consegue atrair até mesmo as crianças e os adolescentes." CINCO DESAFIOS DE MARCELLO MADRI, 2003 - Na capital espanhola, Mano a Mano contava os 25 anos de história de democracia do governo espanhol. Marcello ficou morando um ano na cidade para dar conta. Foi inaugurado pelo Rei Juan Carlos, que chorou, emocionado. BERLIM, 2004 - Pelé Station, montada em uma estação de metrô de Berlim, na Alemanha, tinha dois painéis de 40 metros, de um lado com reações de torcedores, do outro com lances magistrais do Rei. Mil pessoas visitaram a estação por dia na primeira semana. SÃO PAULO, RIO, BRASÍLIA, 2006/7- Intitulada Ascension, a exposição do artista plástico Anish Kapoor, tinha um furacão de 36 metros, simulado com ajuda de uma turbina de avião e oito hélices. SÃO PAULO, 2006 - O Museu da Língua Portuguesa demorou cinco anos para ser concebido. Entre as dificuldades, dar formato para um conteúdo que não era concreto. Ninguém tinha feito nada parecido antes. SÃO PAULO, 2008 - Bossa na Oca, homenagem aos 50 anos de bossa nova, teve um obstáculo: a péssima acústica do prédio. O som não pode ser amplificado. Para resolver, 280 caixas de som foram espalhadas.

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