O monge arquiteto que quer mudar SP

Márcio Lupion quer revitalizar bairros e ?resgatar a alma? da cidade

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Por Rodrigo Brancatelli
Atualização:

O sobradinho branco naquela viela escondida em Higienópolis estava todo sujo, abandonado. Pintura descascada, mato alto na entrada, madeira podre no interior e ratos na garagem. Após mais de dez anos enclausurado para completar seus estudos de monge budista, Márcio Lupion passou em frente à casa e, sem ter onde morar ou trabalhar, pediu para reformá-la. O dono do imóvel topou, claro. Lupion limpou a calçada, pintou o fachada, plantou flores, consertou o que estava quebrado. Agora, prestes a completar três anos no sobrado, Lupion quer fazer o mesmo com São Paulo. "É preciso resgatar urgentemente a alma da cidade. Aprendi pelo budismo que toda alma é bela. Pretendo apenas realçar essa beleza paulistana que acabou esquecida pelo tempo", diz ele, pausadamente, como se lecionasse. Formado em Arquitetura em 1983 pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Lupion desenhou no escritório do seu sobrado o plano de revitalização da Liberdade, colocado em prática atualmente. Fachadas, cabines telefônicas, postos policiais, bancas de jornal e todo o mobiliário urbano do bairro serão transformados seguindo a arquitetura do Japão Feudal. Com o sucesso do projeto, que já valorizou o preço dos imóveis em mais de 100%, ele irá anunciar amanhã um megaplano de revitalização do Brás, um dos bairros mais antigos da cidade. Cerca de 10 mil lojas terão suas fachadas redesenhadas. Nos próximos meses, saem da sua prancheta projetos para renovar a Rua 25 de Março, a Santa Ifigênia, a Cracolândia, o Glicério e a Barra Funda. "Do mesmo jeito que restaurei essa casa, pintei paredes e cortei o mato, quero restaurar o nosso patrimônio", diz o monge arquiteto de 50 anos, sempre sorrindo com seu bigodinho ralo. O projeto do Brás começa a ser colocado em prática nos próximos meses. As primeiras intervenções serão na região da Rua Bom Pastor - o trilho do trem será requalificado, e um túnel ligará o bairro à Zona Cerealista. Numa segunda fase, que sairá do papel quando as cotas de patrocínio forem vendidas, o Brás ganhará paisagismo unificado, com adequação das fachadas e do mobiliário urbano. A 25 de Março, a Santa Ifigênia e a Cracolândia terão projetos semelhantes. O Glicério ganhará uma Chinatown, a pedido dos comerciantes chineses da região. Já o plano para a Barra Funda é mais ambicioso - Lupion está em contato com um diretor da Rede Globo, para colocar o bairro em uma novela. Seria assim mais fácil conseguir patrocínio para reformar a região; ao mesmo tempo em que as ruas apareceriam sendo revitalizadas na trama, ganhariam reformas de verdade. "Você sabia de onde vem o nome do Largo da Concórdia?", pergunta Lupion. "Há muito, muito tempo, o dono do terreno se apaixonou por uma garota, quando estava de férias em Paris, justamente quando passeava pela Place de la Concorde. De volta a São Paulo, ele doou o terreno no Brás para a Prefeitura e pediu para que a região ganhasse o mesmo nome, Concórdia. Quem sabe dessa história? Quase ninguém. É isso que quero retomar, unir todo esse passado da cidade com o presente, fazer projetos afetivos, que façam a gente se sentir em casa." ARQUITETURA SAGRADA Lupion tinha 21 anos, andava de skate no centro, surfava no litoral e fazia faculdade de Arquitetura. Até que teve uma espécie de surto, depois de ver no Cine Paramount o filme Irmão Sol, Irmã Lua, de Franco Zeffirelli. "Parecia que eu estava em uma espécie de transe, fiquei dois dias sem falar", lembra. "Ficavam falando que eu tinha fumado alguma coisa. Mas eu não conseguia entender o que estava acontecendo, não conseguia mais me relacionar com as pessoas. Foi depressão profunda." Depois de procurar rabinos, padres, xeques muçulmanos e todo tipo de livro de auto-ajuda, Lupion começou a entender o que estava acontecendo quando sua mãe lhe deu um guia budista chamado O Caminho do Autoconhecimento. Isso o levou a uma série de acontecimentos que incluem uma década de retiro espiritual num centro budista na zona norte e mais seis anos como discípulo de um tibetano de 90 anos. "Aquele livro me mostrou o que eu estava sentindo. E isso me fez seguir a vida de monge, com cabeça raspada e tudo. Um belo dia, no entanto, o meu mestre pediu para eu devolver o meu manto. Ele disse: ?Você está pronto, pode ir embora. Você vai casar, ter filhos e fazer algo de bom para as pessoas?. É isso que eu estou tentando fazer, desde então." Desde que abandonou o manto budista, Lupion deu aulas na Universidade de São Paulo, no Mackenzie e na Faap, trabalhou na Odebrecht e juntou dinheiro para montar o seu próprio escritório de arquitetura. Esse tempo também o ajudou a formatar a sua idéia de "arquitetura sagrada", parte técnica, parte budista, um jeito de expressar devoção através da sua prancheta de desenho. Como nas catedrais góticas construídas na Idade Média, o monge arquiteto pretende que seus projetos arquitetônicos guardem segredos e símbolos de fé e beleza, alegorias representadas em fachadas e ornamentos. R$ 400 MIL POR PROJETO "Eu me recuso a colocar muros altos nos meus projetos. Me recuso a fazer prédio neoclássico. Me recuso a fazer trabalho triste", repete, como se fosse seu mantra. No sobrado em Higienópolis, onde paga um aluguel simbólico depois da reforma, Lupion montou a Kallipolis, um misto de escritório com escola de meditação. Ele mora no andar de cima, dá aulas no térreo, almoça pratos vegetarianos embaixo de uma árvore na garagem (feitos por uma cozinheira monja) e cuida de 40 bonsais no jardim que têm valor impublicável ("A minha poupança está no jardim", brinca). Ao seu redor, estão 25 voluntárias do primeiro ano de Arquitetura da Faap e do Mackenzie, escolhidas a dedo por critérios nada nebulosos ("Eu vendo beleza, então me cerco de beleza", assume, sem rodeios. "Elas me ajudam a vender meus projetos para os investidores. E também transformam a Kallipolis num pequeno paraíso.") O projeto de revitalização da Liberdade, uma espécie de semente do seu megaplano de mudar a cara de São Paulo, surgiu sem querer, quando levava o filho Gabriel, de 9 anos, para comprar uma espada samurai no bairro. Viu como a Liberdade estava degradada, abandonada, igualzinho ao sobrado em Higienópolis. Começou, então, a desenhar idéias e a procurar empresários. Cada projeto de Lupion custa de R$ 300 mil a R$ 400 mil. Parte desse valor mantém o escritório, parte vai para a construção de um templo budista em Cotia, outra parte é destinada para a construção de um templo da sociedade messiânica em Perdizes e parte vai ser colocada em um fundo, a ser dividido pelas voluntárias. "Com a Lei Cidade Limpa, tive chance de mostrar meu trabalho, porque a cidade perdeu sua memória, e a comunicação visual do comércio se perdeu", conta. "Quero fazer arquitetura de rico para pobre. Colocar a calçada da Oscar Freire no centro, mosaico arabesco na 25 de Março, construir apartamentos belíssimos de R$ 100 mil na Barra Funda e na Luz. Esse é o meu ?algo de bom? para dar para as pessoas."

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