O monumento que a chuva levou...

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Por Alex Solnik
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Eu estava conversando com Mauris Warchavchik sobre alguns episódios do passado de São Paulo, quando ele se lembrou de algo peculiar: "O senhor conhece a história do Monumento do IV Centenário?", perguntou ele. Eu não me lembrava. Do símbolo do IV Centenário, sim; do monumento, não. Mas são, no fundo, a mesma obra. Aspiral é seu nome. E a verdadeira história de sua construção e do que aconteceu com ela foi contada pela primeira vez, naquele dia, por ele. "Nunca contei, mas agora vou contar o que aconteceu." Mauris se lembra do dia em que Ciccilo Matarazzo procurou seu pai, o famoso arquiteto Gregori Warchavchik. E da frase que proferiu: "Estou desesperado! Não consigo construir o monumento-símbolo do IV Centenário!" ESTOU DESESPERADO Faltavam dois meses para o evento mais esperado da década. O ponto alto dos festejos do IV Centenário seria a inauguração do Parque do Ibirapuera. E a principal efeméride da abertura do parque, a inauguração do monumento. O projeto de Oscar Niemeyer, conta Mauris, muito bonito, previa a construção de uma haste - em torno da qual havia uma espiral - com inclinação de 45 graus. O que seria inexeqüível, para os engenheiros consultados. Gregori delegou a tarefa, então, ao seu sócio, Walter Neuman. "Ele vai resolver seu problema", prometeu a Ciccilo. Neuman também achou inexeqüível colocar a haste naquela inclinação, mas apresentou uma saída. "Vamos colocar a haste a 60 graus sem contar pro Niemeyer. Ele não vai perceber." Ciccilo concordou. E se acalmou. Estava sob forte pressão. Seu maior crítico era Jânio Quadros, que já o fustigara como deputado estadual - Ciccilo presidia a comissão dos festejos do IV Centenário desde 1951. "Não pode aparecer como um dos dirigentes da comemoração um casal em situação irregular com a Santa Madre Igreja", disse Jânio, aludindo ao fato de Ciccilo viver com Yolanda Penteado, separada do primeiro marido. Empossado prefeito em março de 1954, Jânio encontrou em Ciccilo o inimigo ideal. Ninguém melhor para simbolizar o "milhão" contra o qual Jânio lutava, na condição de "tostão". Ciccilo não tinha a fortuna do primo, o conde Francisco Matarazzo Júnior, que faturava 3 bilhões por ano com suas 300 empresas, ante 7 bilhões arrecadados pelo governo de São Paulo, mas servia. Era dono da Metalúrgica Matarazzo e o maior mecenas da cidade. ESTÁ DESMORONANDO Neuman passou a supervisionar a obra, cuja execução foi entregue a uma construtora, a mesma que estava erguendo um dos edifícios do parque, a futura sede do Detran. Num certo fim de semana, Mauris, então com aproximadamente 30 anos, atende o telefone no escritório do pai, com quem trabalhava. "O negócio está desmoronando", ouve, do mestre-de-obras. Chamado às pressas, Neuman constata, na segunda-feira, o grande erro. Os pedreiros, em vez de cobrirem a espiral com dois centímetros de concreto, como especificado, cobriram com quatro centímetros. Muito peso. A espiral veio abaixo. E levou a haste para o chão. O QUE FAZER? Faltavam dois dias para a grande festa. Ciccilo não podia saber, o risco de enfarte seria grande. Neuman mandou comprar juta e gesso. A haste foi levantada, a espiral colocada em seu lugar e o conjunto envolvido em juta e coberto com gesso. A inauguração foi um sucesso. Há uma foto que mostra o momento em que as autoridades se dispersam, no final da cerimônia. Além das sempre presentes "autoridades militares e eclesiásticas", estão lá o prefeito Jânio Quadros e o governador Lucas Nogueira Garcez, nem tão próximos assim, sem se abraçar ou se cumprimentar, mas estão lá. "Seis meses depois", conta Mauris, "fortes chuvas derreteram a juta e o gesso, deixando a estrutura de ferro exposta. Em pouco tempo, deve ter enferrujado. E, então, alguém, não sei quem, deve ter mandado jogar fora o que um dia foi o monumento-símbolo da maior festa de São Paulo de todos os tempos". BAILE NO POÇO As fundações, acredita ele, estão até hoje enterradas em algum ponto em frente à marquise, na Avenida Pedro Álvares Cabral. Não é difícil supor que Jânio, então governador, dada a ojeriza que demonstrou pela construção do parque, tinha o maior interesse em sumir com o monumento. Em entrevistas, Jânio comparou "as luzes e fogos do Ibirapuera" com a "noite da Ilha Fiscal" (a derradeira festança da monarquia, no Rio). E alardeou: "Encontramo-nos no fundo do poço e parece que existe quem deseja promover um baile nele." Há, no entanto, uma saída. O monumento pode ser reconstruído. Mauris já foi procurado por técnicos da Prefeitura, informados sobre o seu relato, publicado pela primeira vez na revista K, um house-organ da construtora Klabin Segall, produzido pela editora S.A.X.. "Com os materiais de hoje, vai ser possível, inclusive, obter a inclinação de 45 graus, como está no projeto original", pondera Mauris Warchavchik, que se diverte com a confusão da imprensa. "De vez em quando aparece uma notícia no jornal assim: ?E o Monumento do IV Centenário, que nunca foi construído?? Foi construído, sim, mas em gesso e juta!" * Alex Solnik é jornalista

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