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''''O problema é que o Masp é inviável como instituição''''

Por Luiz Marques
Atualização:

Um discutível provérbio diz que a ocasião faz o ladrão. Seria auspicioso, hoje, que o ladrão fizesse a ocasião, isto é, que o choque da perda criasse a ocasião para um choque de defesa do patrimônio. Instituição cronicamente fragilizada, nosso museu sempre ofereceu ocasião para ladrões e é surpreendente que furtos como esse não tenham acontecido antes. Mas o que é mais angustiante não é a perda, talvez irreparável, dessas duas obras tão representativas de seus momentos históricos e ambientes artísticos. O que mais aflige é que o Masp será provavelmente, no futuro, vítima de outros furtos. Não é preciso ser Cassandra para saber que o museu não conseguirá sanar as deficiências estruturais que tornaram tão fácil o furto. O problema de fundo é que o Masp é inviável como instituição. Não é uma fundação e não dispõe, como o Museu da FAAP, por exemplo, de recursos próprios e dotação original. Tampouco é um museu do Estado, amparado por lei orçamentária. O Masp é uma sociedade civil de direito privado, constituída por algumas dezenas de sócios que nada pagaram para sê-lo e não contribuem para a manutenção de sua associação. Essa sociedade de direito privado é responsável, por meio de uma diretoria eleita por seus associados, pela gestão de um patrimônio formado, em parte, por doações de beneméritos já falecidos e, em parte, por recursos grandemente oriundos do Estado. Ora, é sabido que este patrimônio exige uma injeção constante de imensos e crescentes recursos, que essa sociedade civil não possui e não se tem mostrado capaz de arregimentar. Portanto, a realidade incontornável é de uma singela simplicidade: o Masp é uma instituição sem os recursos necessários para tomar as providências que evitem outros furtos. Onde buscar recursos? Não contemos com as empresas, pois, quando o assunto é cultura artística e sobretudo histórico-artística, elas preferem naturalmente investir nos próprios projetos institucionais. A única outra fonte de recursos é o Estado. Mas, por sua própria natureza, uma sociedade de direito privado não pode ser sustentada por recursos públicos. A estatização do Masp impõe-se, assim, como a única solução. E não é uma solução necessariamente ruim. Em primeiro lugar, ela viria a preencher uma absurda lacuna: a municipalidade de São Paulo não possui um grande museu de arte. Em segundo lugar, os poderes públicos têm demonstrado um desempenho altamente positivo na gestão da cultura, haja visto o notável salto de qualidade que marca a história recente de instituições como a Pinacoteca do Estado e a Orquestra Sinfônica do Estado, para não falar da criação do Museu da Língua Portuguesa. Portanto, a administração faz jus a um voto de confiança. É preciso permitir que o Masp seja o museu de que a megalópole necessita. A sociedade civil de direito privado que detém o controle do museu não tem, manifestamente, essa possibilidade. * Luiz Marques é ex-conservador-chefe do Masp

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