O que clichês não explicam

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Por Jairo Nicolau
Atualização:

Todas as eleições criam interpretações que viram clichês para a posteridade. A eleição de 1989 foi a da renovação, da crise da elite política tradicional; a de 1994 foi a eleição do Plano Real; a de 1998 foi a da aposta na continuidade e dos benefícios da estabilidade da moeda; a de 2002 foi a da vitória da renovação e da aposta na agenda social de Lula e do PT; em 2006, houve o reconhecimento dos grandes ganhos sociais do governo Lula.E as eleições de 2010? Até o fim de setembro, a interpretação-clichê já havia sido produzida e virou um mantra entre os analistas: o governo Lula, com 80% de aprovação, transferiu sua popularidade para a candidata situacionista ao longo da campanha; as eleições de 2010 seriam a da reeleição de Lula por outras vias.Mas bastou as urnas serem abertas e a vitória de Dilma no primeiro turno não ser confirmada, para uma busca frenética para novas explicações sobre os determinantes do voto no Brasil. A economia deu lugar à sociologia. O eleitor que votava com o bolso passou a ser, repentinamente, influenciado por temas como aborto, liberdades públicas, homossexualismo, crença (ou descrença) em Deus e denúncias sobre corrupção.Nunca saberemos, ao certo, qual foi o peso da mobilização anti-Dilma nas duas semanas que antecederam as eleições. Infelizmente, não há como mensurar os efeitos de cada fator sobre a queda de Dilma. Será que admoestações de pastores e bispos realmente influenciam os eleitores? As denúncias do caso Erenice tiraram votos de Dilma na classe média? Ver vídeos do YouTube convence eleitores de alguma coisa?Um caminho mais proveitoso é avaliar cuidadosamente o desempenho dos candidatos pelo território. Para isso, temos grande volumes de dados: por seção eleitoral, municípios e Estados. Uma mera observação da votação dos candidatos por Estado já revela dados interessantes.Nas eleições presidenciais, os candidatos têm apresentado diferentes padrões de voto nos Estados. Mas, no primeiro turno de 2006, esse padrão assumiu contornos espaciais diferentes das eleições anteriores. Lula venceu na Região Norte e Nordeste, mas perdeu no Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Lula venceu em 16 Estados; Alckmin, em 10 Estados e no Distrito Federal.Segundo pesquisas de opinião publicadas na primeira semana de setembro, Dilma liderava em todos os Estados. Mas depois que os votos foram apurados, os resultados deste ano acabaram por mostrar muita similaridades com os de 2006. Serra venceu em oito Estados, Dilma foi vitoriosa em 18 Estados e Marina venceu no Distrito Federal. Dilma venceu nos mesmos16 Estados em que Lula havia vencido em 2006 e, mais, no Rio Grande do Sul e Goiás. Ou seja, apenas três unidades da Federação não repetiram o mesmo partido vitorioso em 2006 e 2010.As pesquisas de opinião revelam que os votos de Dilma e Serra têm diferentes bases sociais. Quando analisadas por escolaridade e renda o padrão de Dilma é uma pirâmide; seus votos são proporcionalmente mais altos nos estratos de mais baixa renda e escolaridade, e caem na medida em que sobem a renda e a escolaridade. O padrão de Serra é diametralmente inverso: maior nos estratos superiores e menor nos estratos inferiores.Existe uma justaposição entre renda e escolaridade das pessoas e o território. Sabemos, por exemplo, que as faixas de mais baixa escolaridade e renda estão altamente concentradas na Região Nordeste. Dois mapas excelentes publicados pelo Estado, com a votação nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, mostraram que Dilma venceu nas regiões mais pobres das duas cidades, enquanto Serra foi vitorioso nas áreas de renda média e alta.Ainda não temos dados sobre as divisões no interior de cada Estado e entre os bairros das cidades, mas a simples divisão de renda e escolaridade está longe de explicar o que aconteceu em 2006 e 2010.Termino com mais uma pergunta: por que morar em certos Estados e regiões do País está fazendo tanta diferença na hora de votar?

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