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O senhor da hora certa

Augusto Fiorelli tem uma missão: não deixar os relógios da Estação da Luz, da Sé e das Faculdades de Direito e Medicina pararem

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Por Redação
Atualização:

Augusto Fiorelli, de 49 anos, não pode ficar mais do que quatro dias fora de São Paulo. É que depende de suas mãos o funcionamento de 12 relógios espalhados pela cidade - entre eles, o da Estação da Luz, o da Praça da Sé, o da Imprensa Oficial e os das Faculdades de Direito e de Medicina da USP. Na cidade que não para, o relojoeiro Augusto é uma espécie de senhor do tempo. Dar corda nessas engenhocas antigas e históricas é relativamente simples. Ele gira uma manivela que faz subir dois pesos de ferro maciço - um que serve para que o relógio funcione, outro para que o sino seja tocado. No caso do aparelho da Estação da Luz, o primeiro pesa 80 quilos e o outro, 140. Gradualmente eles vão cedendo, pela força da gravidade, fazendo com que tudo opere. Descem cerca de 2 metros por dia. Além de girar a manivela, a cada visita Augusto aproveita para lubrificar as engrenagens, com óleo de motor, e ajustar o horário. "Sempre dá uma ?diferencinha? de uns 10 ou 15 segundos", conta. No caso do relógio da Luz, cujos mostradores têm 4,4 metros de diâmetro, é preciso dar corda toda semana - sexta-feira é o dia em que o relojoeiro costuma passar por lá. Outros necessitam de visitas menos esparsas. "Na Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, onde está o relógio mais antigo, de 1884, o intervalo não pode ser maior do que quatro dias", diz. "Antes, me revezava com meu avô. Mas há uns dez anos, quando ele deixou de subir escadas, não tenho férias e não posso ficar muito tempo longe de São Paulo. E, felizmente, nunca fiquei doente." Ciente da importância de seu trabalho, ele não reclama. "O importante é o relógio marcar a hora certa. Só assim as pessoas pegam confiança nele", explica. "É gratificante arrumar um relógio que serve a milhares de paulistanos." O avô, seu homônimo, morreu em abril. Foi com ele que Augusto aprendeu o ofício de acertar os ponteiros da cidade. "Comecei ajudando-o com 15 anos. Desde 1975 cuidamos do relógio da Estação da Luz", lembra. É o que necessita de mais esforços, aliás. "Aqui em cima mesmo, não fico mais que 15 minutos a cada vez. O que cansa são as escadarias: 145 degraus." Sendo que os dois últimos lances são de apertadas escadas de marinheiro. Nascido no bairro do Ipiranga, Augusto se mudou para a Freguesia do Ó depois que se casou, há 20 anos. Sua relojoaria fica no centro, pertinho da Praça da Sé. Em 1983, ele se formou em Economia na Fundação Armando Álvares Penteado. "Mas já era relojoeiro e nunca deixei de sê-lo", afirma. Pai de três filhos, torce para que um deles siga a profissão. "A menina mais velha, de 20 anos, está fazendo Ciências da Computação na USP. Aí tem um casal de gêmeos com 15 anos. Já comecei a ensinar o menino a cuidar dos relógios", conta. "Mesmo que ele queira ter outra profissão, pode pegar um ou dois relógios para dar corda, como hobby." Augusto lembra que, como são itens históricos de São Paulo, sempre será necessário o trabalho - remunerado, como o dele - de um relojoeiro para dar corda e fazer a manutenção nessas antiguidades. Seu maior pesadelo é se esquecer de dar corda em algum dos 12 relógios que mantém. "Mas não uso agenda, tenho tudo na cabeça", garante. "Uma vez, há uns dois anos, cheguei em casa com a sensação de que tinha pulado um. Aí me lembrei que era o da Faculdade de Medicina. Fui lá à noite e dei corda." Ele tem passe livre nessas instituições. Para Augusto, dia de correria é quando começa ou termina o horário de verão. "Tenho de acertar todos os relógios. Como sempre cai em um domingo, saio cedinho de casa." Em poucas horas, o paulistano já tem, à disposição, os grandes relojões como referência para acertar o seu.

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