OAB propõe reforma "profunda e possível" em presídios

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

A Ordem dos Advogados do Brasil seção São Paulo (OAB-SP) está propondo uma reforma "profunda, mas possível" no sistema carcerário paulista como "único caminho" - segundo seu presidente Carlos Miguel Aidar - para evitar novas gigantescas rebeliões como a que convulsionou 29 presídios dos Estado de São Paulo em fevereiro. As propostas, sistematizadas em um documento com 22 itens, prevêem desde o reaproveitamento das instalações da Casa de Detenção de São Paulo após o desativação do Complexo do Carandiru, até alterações no Código Penal, com maior flexibilidade em algumas leis e mais rigor em outras. O documento foi elaborado por uma comissão especial integrada por especialistas em sistema prisional da OAB e entregue ontem ao governador Geraldo Alckmin (PSDB). Escolas do crime De acordo com o documento, a Casa de Detenção deveria ser transformada em uma Centro de Triagem, com capacidade máxima para três mil presos, que teria a função de permitir uma avaliação detalhada dos detentos antes de encaminhá-los para outros centros carcerários. "O Centro de Triagem implica novo método e também novo conceito", explica o juiz Corregedor dos Presídios, Octávio Augusto de Barros Filho, um dos integrantes da comissão. O principal objetivo do Centro, de acordo com ele, seria o de separar os detentos de acordo com a idade, natureza do crime cometido e periculosidade. "O sistema carcerário em crise perdeu sua função básica de reintegrar o preso", afirmou o ex-secretário de Justiça e da Segurança Pública de São Paulo Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que presidiu a comissão. Para ele, grande parte dos detentos sai dos presídios "mais revoltada e mais agressiva" do que quando entrou. "Os presídios se transformaram em centros de aliciamento e preparação de quadros para o crime organizado", sentenciou Mariz. "Por isso é indispensável e urgente um sistema de triagem que separe os perigosos daqueles que são recuperáveis." Para Aidar, o presidente da OAB, essa reformulação no sistema carcerário "passa ainda pela necessidade imperiosa de instalar centros de trabalho" para todos os presos nas penitenciárias. Fundo do poço Outro integrante da comissão, o juiz Renato Natalini, vice-presidente do Tribunal da Alçada Criminal de São Paulo, afirmou que a gigantesca rebelião de fevereiro "mostrou ao país que o sistema carcerário chegou ao fundo do poço". Para ele, a reorganização do sistema exige a atualização da lei. "Nosso Código Penal é do tempo do Estado Novo e, em menos de dez anos, o perfil do criminoso e a natureza dos delitos cometidos sofreram mudanças radicais", lembra ele. As mudanças na legislação propostas no documento prevêem a atenuação de algumas penas para presos que estudam, a instituição do seguro-desemprego por seis meses para egressos das penitenciárias e a ampliação de penas alternativas. O documento propõe ainda incentivos fiscais para empresas que contratem os egressos dos presídios. "Sem este esforço da sociedade, a reincidência é inevitável", diz Natalini. "Teremos que fazer ainda um esforço de longo prazo para que ao sociedade compreenda que o destino do preso não tem que ser a morte." Algumas leis, de acordo com o documento, devem ser endurecidas. Uma delas é a criminalização da comunicação interna. "O ingresso de aparelhos, instrumentos e equipamentos de comunicação externa em presídios devem ser considerados crime contra a administração, impondo-se a prisão em flagrante", afirma o documento. O ex-diretor da Casa de Detenção Luiz Camargo Wolfiman, que também integrou a comissão, considera este item do documento um exemplo. "Como iríamos nos preocupar com isso há quinze anos, quando não existiam celulares?", pergunta ele. "O Código Penal deve acompanhar as mudanças da sociedade e isso não tem ocorrido." Abaixo, um resumo das propostas da OAB: Censo penitenciário - Implantar um cadastro geral dos encarcerados, com programa de identificação por biometria e impressões digitais, além do número do registro geral (RG), matrícula e processo de execução, com previsão da data para o término do cumprimento da pena, características pessoais e alcunhas, a natureza dos crimes praticados, forma de agir, identificação de comparsas e de adversários no sistema penitenciário. Rede interligada de dados - O banco de dados do sistema penitenciário traria informações fornecidas por todos os setores vinculados. Conselho supervisor para combate ao crime organizado - Destinado a reprimir atuação das organizações criminosas, dentro e fora dos presídios. Escola de Administração Penitenciária - Reativação da Escola de Administração Penitenciária para formação profissional dos agentes penitenciários, com cursos de atualização e reciclagem. Centro de triagem - Converter a Casa de Detenção em Centro de Triagem e Classificação Geral para manter uma separação dos presos no sistema. Hospital carcerário - O atual Pavilhão 4 da Casa de Detenção seria transformado em Hospital Carcerário, o que evitaria excessos de remoções de presos para tratamento médico. Presídios de segurança máxima - Para onde seriam conduzidos condenados à pena igual ou superior a dez anos. Limitação da capacidade prisional - Capacidade de cada presídio deve ser limitada em 500 presos, distribuídos em celas individuais. Assistência jurídica - Assistência jurídica ao encarcerado e à sua família deve ser mais abrangente do que a mera assistência judiciária. O ideal seria um advogado para cada grupo de 50 (cinqüenta) presos. OAB se propõe, ainda, a realizar mutirão para regularizar situação jurídica dos detentos paulistas. Assistência médica - O atendimento médico ao encarcerado deve ser transferido à Secretaria da Saúde. Esta terá a atribuição para administrar hospitais convencionais e também os hospitais psiquiátricos, em parceria com a rede particular, familiares dos internos, ONGs, clubes de serviço, Igreja e comunidade. Comissões técnicas de classificação - Assim que ingressar no sistema, o encarcerado terá o seu perfil psico-social traçado pelas comissões. Guarda de elite - Subordinada à Secretaria de Administração Penitenciária, a guarda seria integrada por agentes de segurança (ASP) selecionados e especialmente treinados para usar armamento e enfrentar rebeliões. A guarda poderia substituir policiais militares na vigilância feita das muralhas das penitenciárias. Revista pessoal mais apurada - Detectores de metais deveriam ser utilizados nas revistas pessoais por ocasião do ingresso de qualquer pessoa nos estabelecimentos prisionais. Pena em liberdade - Instituir programas de monitoramento de condenados que cumprem pena em liberdade. Apoio ao egresso - Implantação de um efetivo sistema de apoio ao egresso para que haja condições de reintegração à sociedade. Propõe-se a criação de um órgão com esse objetivo de assistência ao egresso. Trabalho e estudo - A prisão deve ser um instrumento de ressocialização para presos predispostos a levar uma vida útil. Sociedade deve participar com aproveitamento da mão de obre existente nos presídios, por meio de convênios firmados com empresas públicas ou privadas. Este pode ser o embrião da privatização do sistema penitenciário. Penas alternativas - Conscientização da comunidade jurídica para a utilização das penas alternativas e conscientização da sociedade para encará-la como legítima forma de acabar com a impunidade e desonerar o contribuinte. Criminalizar a comunicação externa - Prisão em flagrante para toda pessoa que tente ingressar com aparelhos, instrumentos e equipamentos de comunicação externa em presídios. Remissão de penas pelo estudo - Elaboração de projeto de lei prevendo remição de penas pelo estudo, conforme programa a ser instituído pelo Ministério da Educação ou Secretarias Estaduais de Educação, a exemplo do telecurso e similares. Instrução criminal on line - Avaliar a possibilidade de instrução criminal por vídeo-conferência, eliminando o insolúvel problema da procrastinação dos processos criminais por falta de apresentação do preso e, principalmente, a insegurança das escoltas, sujeitas a resgates. Incentivar o investimento na política carcerária - O empresário que se dispuser a arcar com o ônus de empregar egressos deveria ser estimulado com isenções e incentivos fiscais. Seguro-desemprego por seis meses para o egresso - O Estado já investiu no encarcerado toda a imobilização dos estabelecimentos prisionais, o custeio de sua manutenção e poderá vir a ser colhido com provável reincidência, se o egresso não dispuser de um apoio efetivo para reiniciar sua convivência social.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.