Obra de mansão no Pacaembu faz bairro temer especulação

Apesar de tombamento que prevê conservação do traçado urbanístico, TJ autoriza construção de 1.216 m²

PUBLICIDADE

Por Rodrigo Brancatelli
Atualização:

Uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou, no começo do mês, a construção de uma mansão de 1.216 metros quadrados na Rua Livreiro Saraiva, no Pacaembu, iniciando assim mais um capítulo da novela sobre o tombamento do bairro da zona oeste da cidade. O imóvel, que ocupa dois lotes e terá até garagem subterrânea, havia sido barrado duas vezes pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado (Condephaat) por ir contra a lei que preserva o traçado urbanístico mantido desde a década de 20. Ontem, no entanto, vários operários já trabalhavam na residência. Os moradores do bairro - um dos últimos preservados de São Paulo - agora temem que essa sentença judicial abra um precedente inédito e torne o Pacaembu um novo alvo da especulação imobiliária. "Essa decisão abre uma brecha jurídica para que outras pessoas ou empresas tentem remembrar lotes e construir imóveis que até então eram proibidos pela lei do tombamento", afirma o advogado Sérgio Livovschi, da Associação Viva Pacaembu, que na próxima semana vai entrar com recurso para impedir a construção. "Isso vai contra tudo que preservamos até hoje", completa o presidente da associação, Pedro Py. "É o primeiro passo para descaracterizar o bairro." A novela sobre o tombamento do Pacaembu recomeçou em junho, quando uma lei de 1991 que protegia o traçado urbanístico da região foi alterada pelo secretário estadual da Cultura, João Sayad. A Resolução SC-12 permitia que os lotes com área superior ou igual a 900 m² pudessem ser desdobrados, desmembrados e reagrupados - o que possibilitaria a compra de vários lotes e a construção de vilas ou de condomínios fechados. Até então era impossível mexer na metragem dos lotes, o que fez com que dezenas de terrenos gigantescos ficassem à venda por anos, sem compradores interessados. O próprio mercado se refere ao Pacaembu como o "encalhe imobiliário da cidade"; o metro quadrado gira em torno de R$ 1 mil, bem abaixo de outros bairros residenciais, como o Alto de Pinheiros e Jardim América, na zona oeste. O interesse financeiro é óbvio - segundo o diretor da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio, Luiz Paulo Pompéia, o fim do tombamento dos terrenos valorizaria os preços em 50% quase que imediatamente. A unificação de dois lotes da Rua Livreiro Saraiva (mais precisamente os números 114 e 118) foi a primeira mudança aprovada com base na nova resolução da Secretaria da Cultura. Mas os moradores do Pacaembu se revoltaram contra a decisão e entraram com uma ação civil pública para barrar tanto a construção da mansão quanto a resolução. O Ministério Público Estadual também instaurou inquérito para apurar os motivos da mudança repentina na lei do tombamento. BRIGA JUDICIAL Em meados de julho, a Justiça concedeu liminar aos moradores, e as obras na Livreiro Saraiva foram interrompidas. É quando começa mais um capítulo judicial dessa polêmica. Segundo entendimento da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) do dia 29 de setembro, o proprietário do imóvel do Pacaembu tem, sim, direito de remembrar lotes e construir sua mansão porque a Prefeitura não se manifestou contra a obra e porque não existe "risco irreparável" ao bairro, uma vez que o mérito da ação civil pública ainda será julgado. A liminar foi assim cassada, e os operários voltaram ao batente. O julgamento do mérito, que pode resolver de uma vez por todas o assunto, porém, deve demorar cinco ou seis anos para ocorrer - até lá, outros donos de imóveis poderiam usar o entendimento do TJ para mexer na metragem dos seus terrenos. A Assessoria de Imprensa da Subprefeitura da Lapa afirmou que embargou a obra na Livreiro Saraiva por diversas vezes, mas que não haveria tempo hábil para responder a todas as questões da reportagem. "Na realidade, essa decisão judicial estimula os infratores do Pacaembu", diz Lucila Lacreta, coordenadora do Movimento Defenda São Paulo. "Dá a sensação de que ir contra a lei compensa."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.