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Olho vivo, faro fino

Por Dora Kramer
Atualização:

A insurreição de mais da metade da bancada do PMDB na Câmara tem a ver com a condução autocrática do líder Henrique Eduardo Alves e a concessão de espaços privilegiados ao notório Eduardo Cunha, mas tem a ver muito mais com o futuro do partido como integrante da aliança governista liderada pelo PT. O grupo que há dois meses não chegava a uma dezena de deputados e que hoje soma 50 dos 79 parlamentares do partido desconfia fortemente de que será descartado pelo PT a partir da eleição de 2012, para ser substituído por novos parceiros.Mais exatamente o PSB e o PSD, cujos préstimos o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, já ofereceu pessoalmente à presidente Dilma Rousseff. Com o olho vivo e o faro fino que lhes são peculiares, os pemedebistas detectam sinais nos Estados de que o PT se organiza para varrê-los do maior número possível de prefeituras na eleição do próximo ano e, assim, reduzir a força e a importância do PMDB no pleito presidencial de 2014.E qual a relação disso com a atuação do líder Henrique Eduardo?Segundo a vice-presidente da Câmara, Rose de Freitas, ao submeter toda bancada ao seu projeto de presidir a Câmara em substituição a Marco Maia (PT-RS), o líder se preocupa mais em amealhar apoios entre outras legendas para assegurar sua eleição do que em buscar espaços de afirmação partidária que possam fortalecer o PMDB e levá-lo a se precaver do descarte futuro."O PSB se fortalece, o PSD está surgindo com uma nova força com apoio de gente muito importante do PT e eu pergunto: onde haverá lugar para o PMDB?". Ela mesma responde: "O partido será escanteado". Rose de Freitas vocaliza uma insatisfação que por enquanto é mais latente que patente. Por sua posição na Câmara e pelas boas relações que mantém com o Palácio do Planalto, ela assume na prática o lugar de porta-voz do grupo, embora desminta que esteja com isso procurando construir uma candidatura à presidência da Câmara."Tenho ouvido falar nisso, até mais do que gostaria, mas continuo leal à candidatura do Henrique. Agora, se ele não mudar o comportamento, não começar a atuar de forma a privilegiar o conjunto, terá problemas sérios na bancada. Tudo vai depender da disposição dele de democratizar seus métodos", diz ela.A maioria dos insatisfeitos não assume de público as críticas, por receio de que um confronto aberto com o líder possa significar desgaste para o vice-presidente Michel Temer. Mas o sentimento é o seguinte: se o PMDB não tratar de ganhar músculos e preservar a unidade agora, Temer pode dar adeus à expectativa de ocupar de novo a vice em 2014, seja em chapa liderada por Dilma ou por Lula. E quais são os problemas que enfraquecem o partido na percepção dos deputados? Basicamente três: o PMDB só obedece, não toma uma posição de mérito, não discute a temática nacional, não influencia positivamente na pauta de votações; só Henrique Alves interpreta o pensamento da bancada segundo seus próprios critérios e interesses; só o líder faz a interlocução com o Palácio do Planalto e decide tudo de maneira autocrática. Rose de Freitas acrescenta à lista a defesa que Henrique faz da manutenção de Pedro Novais no Turismo, segundo ela um excelente deputado que perdeu a condição política de ser ministro ao defender o secretário executivo que saiu por denúncia de corrupção. "E a conta quem paga é o PMDB."La famiglia. A entrevista do ministro das Cidades, Mário Negromonte, ao jornal O Globo, diz tudo sobre o sistema de coalizão em vigor no Brasil. A linguagem é inescrupulosa - "para acabar com esse fogo amigo teria que ser uma metralhadora para sair atirando" -, o tom de falsa ameaça é de cúmplice - "imagine se começar a vazar o currículo de alguns deputados. Ou melhor, folha corrida" - e a conclusão de réu confesso: "Vim aqui para fazer amigos".A cada minuto que continua ministro cai um ponto a confiabilidade na disposição da presidente de sanear o ambiente ao qual só com boa vontade pode ser dar o nome de ministério.

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