
21 de fevereiro de 2011 | 00h00
O programa do ministério foi criado para oferecer a crianças e jovens carentes a prática esportiva após o turno escolar e também nas férias. O esquema da Bola Pra Frente é cobrar uma espécie de "taxa de sucesso" conforme cada criança cadastrada.
Só que a ONG já recebe recursos do governo federal justamente para implantar o programa. Atualmente, a entidade, que é dirigida pela ex-jogadora de basquete Karina Rodrigues, filiada ao PC do B e vereadora na cidade de Jaguariúna (SP), mantém um contrato de R$ 13 milhões com o Ministério do Esporte.
Para beneficiar 600 crianças na cidade de Cordeirópolis com o projeto do governo federal, a Bola Pra Frente cobrou da prefeitura uma taxa mensal de R$ 15 por aluno. Segundo os documentos, a prefeitura teve de pagar R$ 90 mil no ano passado para a ONG, em parcelas mensais, num prazo de 10 dias, após o "recebimento dos serviços".
O prefeito da cidade decidiu não pagar mais pela intermediação, não renovou o contrato, e pediu em novembro passado, por ofício, a parceria direta ao Ministério do Esporte para "viabilizar a continuação do Programa Segundo Tempo" sem a necessidade de "empresas para assessoria". Até a semana passada, o ministério não havia respondido à prefeitura de Cordeirópolis.
"Principal referência". Desde 2004, a ONG Bola Pra Frente conseguiu, sem licitação, o privilégio de aplicar o Segundo Tempo no interior paulista. É a campeã de recursos recebidos do projeto do Ministério do Esporte.
Recebeu R$ 28 milhões do governo até hoje, sendo R$ 13 milhões no contrato vigente até o fim deste ano. Com o dinheiro, deveria criar núcleos esportivos nas cidades e dar aulas às crianças. O contrato não fala em parcerias com prefeituras ou algo parecido. A responsabilidade pelo projeto é da entidade.
Em entrevista ao Estado, Karina Rodrigues admitiu que o prefeito que não paga não leva o programa do governo federal. "Eu não tenho como implantar o projeto na cidade dele", disse. Karina fundou a ONG e hoje atua como "coordenadora-geral". Recebe R$ 5 mil oficiais de salário da entidade. "A Bola pra Frente é a principal referência dentro do Segundo Tempo", disse o ministro Orlando Silva numa visita à cidade de Jaguariúna (SP).
O documento assinado entre a ONG e a prefeitura de Cordeirópolis evita mencionar a palavra Segundo Tempo, mas, questionada pelo Estado, Karina acabou admitindo que a parceria se refere ao projeto do governo federal. "Sim, era o Segundo Tempo", disse, em conversa gravada.
"A contratante pagará à contratada o valor global estimado de R$ 90.000,00", diz o documento da administração municipal de Cordeirópolis, assinado pelo prefeito Carlos Cézar Tamiazo (PPS) e pela presidente da ONG, Rosa Malvina da Silva. Uma tabela explica o "valor unitário" de R$ 15 por aluno.
A mesma prática ocorreu com a prefeitura de Ourinhos (SP), que teve de pagar R$ 110 mil para receber o Segundo Tempo. Outros prefeitos relataram que é comum esse pagamento. Para tanto, simulam tomadas de preço ou aprovam projeto de lei para garantir o convênio.
Ao todo, a ONG Bola Pra Frente, cujo nome recentemente foi alterado para "Bola Pra Frente Brasil", atende cerca de 18 mil crianças. O Ministério do Esporte informou que ainda não respondeu à prefeitura de Cordeirópolis porque há pendências burocráticas a serem cumpridas pelo município. "O ministério recebeu o ofício em 6 de dezembro de 2010. Esclarecemos que o encaminhamento de ofício não é suficiente para a formalização do programa Segundo Tempo."
PARA LEMBRAR
Partido turbina caixa em todo o País com ação
Reportagens publicadas ontem pelo Estado mostraram que o programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, serve para gerar dividendos eleitorais e financeiros ao PC do B em todo o País.
A reportagem visitou o programa em São Paulo, Piauí, Santa Catarina, Brasília e Goiás e flagrou entidades de fachada recebendo recursos do projeto, núcleos esportivos fantasmas, outros abandonados ou em condições precárias com crianças expostas ao mato alto e todo tipo de detritos.
Em algumas unidades faltam uniforme e calçados para as crianças, os salários de funcionários estão atrasados e a merenda, vencida.
RAIO X
Programa Segundo Tempo
Ano de criação: 2003
Quem comanda: Ministério do Esporte
Objetivo: oferecer prática esportiva para crianças e jovens carentes após o turno escolar e também nas férias
Recursos já recebidos: R$ 1,5 bilhão, até hoje
Orçamento para 2011: R$ 255 milhões
Crianças cadastradas, segundo o ministério: cerca de um milhão
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