ONU critica ''carta branca'' à polícia

PUBLICIDADE

Por Jamil Chade
Atualização:

Relatório publicado ontem aponta tolerância do governo e de parte da sociedade a execuções de suspeitos Assassinatos por esquadrões da morte, policiais e milícias contariam com apoio de parte da sociedade brasileira. E as megaoperações do governo não servem para nada. São conclusões da Organização das Nações Unidas (ONU) que, ontem, publicou sua avaliação sobre o crime no Brasil e alertou que as políticas de segurança não dão resultados. Também constata que a política está envolvida com o crime e que conta com esquema de proteção para evitar ser investigada pelos assassinatos. O documento conclui que viver sob milícias formadas por policiais é tão perigoso como viver diante do crime organizado. A ONU faz quase 50 recomendações para transformar o combate ao crime no País. A avaliação é resultado da visita do relator contra execuções sumárias, Philip Alston, no fim de 2007. Ele apresentará o documento aos demais países em junho do ano que vem. Alston diz que o crime organizado ''controla comunidades inteiras''. Segundo ele, a resposta do Estado é equivocada, e a população começa a aceitar execuções. ''O Brasil tem um dos mais elevados índices de homicídio do mundo, com mais de 48 mil mortes por ano. As execuções extrajudiciais estão desenfreadas'', alertou. Para ele, policiais participam de estruturas do crime organizado e são responsáveis por parte significativa das mortes. Enquanto a taxa oficial de homicídios de São Paulo diminuiu, o número de mortos pela polícia aumentou, sendo que, em 2007, policiais em serviço mataram uma pessoa por dia. ''No Rio, policiais em serviço são responsáveis por quase 18% do número total de mortes, matando três pessoas a cada dia'', alertou. Um exemplo ocorreu em São Paulo, em maio de 2006. Diante da ofensiva do PCC, a ONU alerta que a polícia teria matado 124 suspeitos e que esses casos ''não foram foram investigados como homicídios, mas atos de resistência. Isso é um cheque em branco para a polícia''. Alston considera 70% das mortes como execuções. Segundo o relatório, os locais de crimes são adulterados e raramente reconstituições são feitas. Em outros casos, a polícia é a única a ser ouvida, e o corporativismo prevalece. ''Uma investigação séria de homicídio é pouco provável'', constata. TOLERÂNCIA A MORTES A ONU alerta para o aumento das milícias. Alston diz que policiais compensam baixos salários com trabalhos de assassino de aluguel e que muitos estão envolvidos com corrupção e extorsão, o que seria tolerado pelo alto escalão. No Rio, 92 das 500 favelas estariam sob o controle desses grupos. Outro problema são os esquadrões da morte, também formados por policiais. Em Pernambuco, 70% dos homicídios causados por esses grupos ocorrem porque há certeza da impunidade. Homicídios, que triplicaram em 20 anos, são a principal causa de morte de pessoas de 15 a 44 anos. A ONU ainda alega que as megaoperações realizadas nas favelas em 2007, como no Complexo do Alemão, fracassaram, e que a abordagem de guerra não funciona. ''O número de pessoas mortas foi superior ao de armas apreendidas e, no dia seguinte, havia apenas uma presença mínima da polícia na favela. A facção continuava no local e no controle.'' E Alston enumera: ''A polícia apreendeu 2 metralhadoras, 6 pistolas, 3 fuzis, 1 submetralhadora. Dezenove pessoas morreram.'' Segundo Alston, essas mortes são toleradas pelo governo. ''O atual Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, disse que, por mais que a polícia se empenhe ao máximo para evitar as mortes, não se pode ''fazer uma omelete sem quebrar os ovos'''', disse. A ONU também conclui que parte da população, temendo o aumento da violência, começa a apoiar medidas de extermínio. Alston deixa claro que a classe política, em busca de votos, também adota uma postura dúbia. ''Essa atitude precisa mudar. Os Estados têm a obrigação de proteger seus cidadãos.'' RECOMENDAÇÕES Policiais investigados por execução têm ser afastados O governo do Rio deveria evitar megaoperações nas favelas, que matam mais e fracassam nos objetivos Governo federal deveria trabalhar para abolir a separação entre Polícia Militar e Polícia Civil Classificar assassinatos cometidos por policiais como ''autos de resistência'' ou ''resistência seguida de morte'' deve ser abolido

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.