Órgão orientou magistrado para driblar a lei

Por sobrecarga de serviço, juízes foram autorizados a realizar só duas visitas a presídios por mês

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Por Vitor Hugo Brandalise e Bruno Tavares
Atualização:

Entre 21 de fevereiro e 1º de abril, a própria Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo orientou o descumprimento da Lei de Execução Penal (LEP) aos juízes responsáveis pela inspeção das prisões do Estado. Enquanto a lei prevê, no artigo 66, fiscalização mensal de todas as unidades penais, a orientação da Corregedoria era de que juízes responsáveis por mais de dois presídios - caso de todos os magistrados da Comarca da Capital - poderiam realizar apenas um mínimo de duas visitas por mês. A orientação foi expedida em resposta a um ofício de 30 de janeiro do juiz-corregedor dos presídios da capital, Cláudio do Prado Amaral, em que pedia esclarecimentos sobre as atividades da 1ª Vara de Execuções Penais, que estaria sobrecarregada - eram cerca de 15 mil processos para um juiz titular e três auxiliares. Em 14 de fevereiro, por meio de ofício, o juiz auxiliar da Corregedoria-Geral Hélio Nogueira admitiu o problema e citou a norma de serviço, que previa apenas as duas visitas mensais mínimas. Uma semana depois, o parecer recebeu a aprovação do Corregedor-Geral da Justiça, desembargador Ruy Camilo. Durante o período em que a norma vigorou, as inspeções mensais em diversas penitenciárias - somente o juiz-corregedor era responsável por 15 unidades prisionais - estiveram desobrigadas pela própria Corregedoria. Para especialistas em Direito Processual e Penal ouvidos pelo Estado, a norma de serviço é discriminatória e inconstitucional. "Demonstra menosprezo ao direito dos presos. A visão é de que seus casos não têm importância, são irrelevantes", disse o presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Sérgio Salomão Shecaira. "Utilizar esse expediente para resolver um problema de momento é ultrapassar os limites, ir longe demais." "Se o problema é falta de pessoal, vamos dizer que a Constituição só deve ser aplicada quando há material humano suficiente? O direito básico à educação deverá ser suspenso porque não há professores e a saúde, deixada de lado por falta de médicos?", questiona o professor de Direito Processual e Penal da USP Maurício Zanoide de Morais."É uma justificativa absolutamente comodista, que não deve ser aceita." Sobre os motivos da expedição da norma de serviço, o juiz auxiliar Hélio Nogueira, da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo afirmou, por meio de nota, que a decisão fora tomada pela impossibilidade do magistrado de "passar o mês todo realizando esse trabalho", levando em conta "a concentração de muitos estabelecimentos penais em uma única Vara das Execuções". Também ressalta que, em 1º de abril, o dever de visita mensal foi modificado, atendendo a critérios territoriais - ou seja, juízes de varas próximas dos presídios seriam responsáveis pelas visitas. O presidente da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), desembargador Nelson Henrique Calandra, diz que a falta de pessoal é mesmo um problema na Justiça Paulista, mas defende a política adotada pela atual gestão do TJ. "Não podemos mais, em nome do princípio do juiz natural, esquecer do juiz de carne e osso", argumenta. Calandra ainda usa como exemplo o assassinato do juiz-corregedor de Presidente Prudente, Antonio Machado Dias, em 2003. "Os juízes que atuam no interior são alvo fácil, essa é uma realidade", afirma. Para o desembargador, a centralização das varas de execuções criminais e a informatização delas são medidas acertadas e dão mais tranquilidade aos magistrados.

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