Os 1.500 cavalos da Marginal

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Eu sou um cavalo do Jockey. Eu não leio jornais, evidentemente, porque eu sou um cavalo. Há quem diga o contrário: seria eu um cavalo justamente por não ler os jornais, opinião da qual discordo com veemência. Porque, se assim fosse, eu estaria mais para burro, ou mesmo uma anta. O fato, como eu ia dizendo, é que cavalo não lê jornal, da mesma forma que não sobe escada e não tem azia, o que faz supor alguma relação de causa e efeito entre todas essas coisas. Seja como for, não li e não gostei. Refiro-me à notícia recente sobre a intenção da Prefeitura de desapropriar o Jockey Club de São Paulo, transformando-o num parque. Que tipo de imprensa é essa que não enviou sequer um de seus quadrúpedes para conversar com a gente? Somos uma população de 1.500 pessoas, quer dizer, cavalos que vivem hoje no interior do Jockey. Temos uma vida aqui dentro. Acordamos todos os dias às 5 horas. Dormimos em pé, vocês sabem. No andar de baixo ficamos nós, que afinal temos aquele problema com as escadas. No de cima, o cavalariço, na proporção de 1 para cada 3 companheiros nossos. Logo cedo saímos para um trote, ainda em jejum. O exercício não dura mais do que 2 minutos. Nos dias quentes, nós cavalos gostamos de nadar. Para isso há uma raia de piscina que se localiza dentro do círculo formado pelos 2.119 metros da pista. É lá que a gente se joga. Em seguida, tomamos o café da manhã: alfafa (o item que mais apreciamos em nossa existência), quirela de milho, aveia, cenoura. Dão lá uma escovada na gente e por ali ficamos, na cocheira, soltando nervosamente o ar através de nossas narinas. Durante a tarde fazemos outra caminhada, mandamos ver outra porção de alfafa, somos escovados - e estamos novamente prontos para dormir em pé. A noite transcorre sem novidades: como a população compõe-se apenas de potros (só os potros de puro sangue inglês disputam corridas), todo o mundo aqui, incluindo a minha pessoa, é virgem. Isso não significa que gozamos da concentração necessária para o exercício dos páreos. Infelizmente, os cavalos do Jockey são estressados. Eu sou um cavalo estressado, e daí? Qual o problema, vai encarar? Venha você morar aqui na Marginal do Pinheiros, sem janela antirruído, e vai ver se não distribuirá também umas patadas. É por isso que, aproveitando o ensejo, reclamamos o direito de sermos transferidos para um lugar onde vivem cavalos, ou seja, no campo. Isso, porém, é muito diferente de transformar o Jockey em um parque como qualquer outro. Vocês nos respeitem: aqui se tornaram campeões Adil, Farwell, Gualicho, Siphon, Much Better. Por que não fazer do Jockey Club um grande centro de entretenimento em que corridas de cavalo seriam apenas um dos atrativos? Quero dizer que confiamos em vocês: como quadrúpedes, não temos dúvidas de que os políticos farão a coisa certa.

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