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Os estilistas que vestem as rainhas

Queridinhos da avenida, eles adoram juntar plumas, penas de faisão e cristais aos micropedaços de tecido

Por Marcia Vieira e RIO
Atualização:

Eles cruzam o Sambódromo do Rio equipados com agulhas e linhas para casos de emergência. Atrás de uma rainha de bateria há quase sempre um estilista de prontidão. Carlinhos Barzellai e Henrique Filho são os queridinhos da avenida. Vestem, ou já vestiram em outros anos, as mulheres mais espetaculares do carnaval carioca. Luma de Oliveira, Luiza Brunet, Juliana Paes, Paola Oliveira, Luciana Gimenez, Luana Piovani, Grazi Massafera, Deborah Secco e outras musas do sambódromo já passaram pelos ateliês dos dois estilistas. As fantasias, é verdade, chamam menos atenção do que as musas. Mas aqueles micropedaços de pano cercados por centenas de penas, plumas e strass chegam a R$ 45 mil. "Em média, elas custam R$ 25 mil. Mas já ouvi falar em gente que gastou até R$ 100 mil", diz Carlinhos Barzellai. "Acho um exagero." A vaidade custa caro. A começar pelo material. Rainha de bateria sem cristais Swarovski, produzidos na cidade austríaca de Wattlews desde 1895, não é digna de carregar o título. Todas usam. Milhares deles e em cores variadas que vão do prata ao vermelho para cobrir o biquíni, o sutiã e a sandália. Quanto mais cristais, mais bonita e mais cara a fantasia. No mundo do samba, nem sempre a madrinha paga a conta. Tudo depende do patrono da escola. Adriane Galisteu banca a dela na Unidos da Tijuca. Há presidentes, como Jayder Soares, patrono da Grande Rio, que não só banca os gastos como vai a Nova York com Carlinhos Barzellai para fazer as compras. É de lá que eles trazem centenas de penas de faisão, outro item indispensável na fantasia da rainha de bateria. A atriz Paola Oliveira, rainha de bateria da Grande Rio, vai carregar 250 penas de 1,70 metro de faisão imperial, além de dezenas de penas de faisão branco. Cada pena custa R$ 150. Ou seja, só com faisões são mais de R$ 35 mil. "Mas comprando lá em Nova York sai mais baratinho", explica Barzellai. Estilistas e musas de primeira linha não usam penas artificiais. Jamais. Mas, jura Barzellai, os faisões não precisam ser abatidos para enfeitar fantasias. "É preciso esperar oito anos até a pena chegar ao tamanho de 1,70 metro. Ela então é arrancada e já vai brotando outra." Mas será que o animal sofre? "Acho que dói, mas, sei lá, podem passar uma xilocaína." Aos 61 anos, Carlinhos Barzellai é uma grife no mundo do samba. Filho de diplomata e o mais velho de 11 irmãos, Barzellai caiu no samba por acaso. Arquiteto por formação, estilista de grinaldas de noiva por opção, começou desenhando enfeites de cabeça para fantasias de luxo do Baile do Copacabana Palace no final dos anos 90. Henrique Filho também entrou no carnaval por acaso. Começou fazendo roupas para amigos. Depois passou a criar para destaques de escola de samba até cair nas graças de Xuxa Meneghel. Saíram do ateliê de Henrique as roupas que a Rainha dos Baixinhos usava em seus especiais da TV Globo. Depois vieram as rainhas de bateria: Luma de Oliveira, Luiza Brunet, Adriane Galisteu. No resto do ano, Henrique veste noivas para casamentos chiques. "Prefiro fazer carnaval. Posso colocar uma trouxa na cabeça da mulher que ela vai ficar maravilhosa e todo mundo vai amar", brinca. Com mais de 15 anos de Marquês de Sapucaí, Henrique deixou sua marca no carnaval. "Criei a moda da sainha de strass. Lancei com a Luma, agora todo mundo usa. Antes era só biquíni e sutiã ou maiô." Teve um ano que vestiu Adriane Galisteu com um macacão lotado de cristais Swarovski. "Ela parecia um raio." Este ano, um ex-auxiliar, Saulo Henriques, fará a roupa de Luma, rainha de bateria da Portela. Foi ele que, em anos anteriores, teve agilidade para em pleno desfile costurar o sutiã da musa que havia arrebentado. "Levo sempre uma nécessaire com linha, agulha, alicate e cola instantânea. Naquele ano eu costurei e ninguém percebeu." A dedicação rendeu uma longa amizade. "Conheço o Saulo há 13 anos. Ele é talentoso, criativo e um grande amigo", elogia Luma. Com a agenda corrida da rainha de bateria da Portela, os dois se encontram nos horários mais improváveis para fazer prova de roupa. "Ele vem aqui na minha casa às 11 horas da noite para experimentar a fantasia ou me mostrar material. Nossa parceria é muito boa", diz Luma. Para a Sapucaí, ela exige que a fantasia seja leve e confortável. "Não adianta estar deslumbrante e não conseguir sambar." Saulo admite que está nervoso. "Fico tenso sempre. Mas com a Luma não tem erro. Ela chega e acontece." Quanto mais famosa a rainha, maior a tensão do estilista. Henrique Filho ainda acumulava outra responsabilidade. Durante oito anos fez a comissão de frente da Beija-Flor. Mas em 2009 só vai fazer duas roupas: a de Adriane Galisteu, sua cliente há nove anos, e a de Fabíola Oliveira, mulher de Aniz Abrahão David, patrono da Beija-Flor, preso, entre outras coisas, por crime de lavagem de dinheiro. Anos e anos pintando penas e colando cristais afetaram sua saúde. "Acabei me intoxicando. Tive problemas sérios no estômago e intestino. Mas ano que vem eu volto. Estou achando um tédio só fazer duas roupas." Não é qualquer roupinha. Adriane Galisteu virá vestida de vampira solar na frente da bateria da Unidos da Tijuca. Adriane topa qualquer fantasia. "Ela é a única rainha de bateria que vem vestida de acordo com o enredo. O resto vem de vedete", critica. Claro que com variações. Nenhuma rainha gosta de vir igual à outra, embora elas até concordem em dividir o mesmo estilista. Em 2008 só deu Carlinhos Barzellai. Ele fez a roupa de Juliana Paes, Adriana Bombom, Grazi Massafera, Luiza Brunet, Gracyanne Barbosa e Nívea Stellman. E desfilou ao lado de todas elas. "Se eu não for, elas me matam. No ano passado eu colocava uma madrinha no primeiro recuo da bateria e saía correndo para vestir outra. Fiquei cansado até junho", reclama. Mas valeu a pena. Seu prestígio entre as rainhas é alto. "O bom do Carlinhos é que ele entende a gente", elogia Paola Oliveira. "Pedi que ele fizesse uma roupa que não fosse careta, mas que me deixasse à vontade na avenida. Quero me movimentar bem", avisa. Nem precisava pedir moderação no tamanho da roupa. Barzellai detesta tapa-sexo. "Minhas rainhas só saem vestidas. Paola vai arrebentar na avenida." A disputa é acirrada, mas ele tem seus truques. Por exemplo, quando chove na hora do desfile, bate desespero em todo mundo. "No primeiro ano em que a Juliana Paes desfilou na Viradouro caiu uma tempestade. As penas de faisão das outras arrastavam no chão. As dela estavam impecáveis." O segredo é guardado a sete chaves. "Eu trouxe um spray de Nova York que nem que torçam o meu pescoço eu revelo o nome ou o endereço da loja. Guerra é guerra."

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