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Os poetas de Santo Amaro

Em versos, eles mostram 13 visões do bairro da zona sul paulistana

Por Edison Veiga
Atualização:

Sete meses, um bairro, 13 poetas, R$ 13,2 mil e um projeto. Se fosse uma equação matemática, bastariam esses números para que brotasse o livro Santo Largo Treze (Editora Annablume, 72 páginas, R$ 15). Como é poesia, há muito mais rimas e acasos. Nem todos os "poetas de Santo Amaro" nasceram ou viveram no bairro, mas foi ali que eles se encontraram e compuseram seus versos. Por meio de palavras, retrataram o cotidiano do bairro, com sua "sinfonia popular" (leva capa do celular/ leva DVD barato/ quatro meu é um), seu metrô que liga o "nada ao sonho", sua praça cercada por grades "que nem tigre no xadrez", suas prostitutas, seus mendigos... Confira alguns dos poemas No início do ano passado, o poeta e estudante de Letras da Universidade de São Paulo Ivan Antunes, de 25 anos, começou a arrebanhar amigos literatos para animar o bairro da zona sul paulistana. "Queria fazer algo plural, com viés cultural, que lançasse um olhar para Santo Amaro", recorda. Com a ajuda de dois colaboradores - a turismóloga Ana Caroline Araújo, de 22 anos, e o estudante André Luís, de 24 -, inscreveu um projeto no programa Valorização de Iniciativas Culturais (Vai), da Secretaria Municipal de Cultura. Conseguiram o financiamento de R$ 13,2 mil para promoverem uma série de oficinas literárias e apresentações de poesia em Santo Amaro. Essa efervescência cultural resultou na publicação do fanzine Trezine Santo Amaro, do blog Treze Visões (www.trezevisoes.blogspot.com) e, por fim, do livro Santo Largo Treze. Ivan, que nasceu e sempre morou nos arredores de Santo Amaro, se lembrou de sua experiência como vendedor de planos de saúde - entre 2004 e 2005 - para escrever seu poema. "Na época, conviver com os camelôs do Largo 13 de Maio foi minha descoberta do mundo", afirma. Em versos: "posso falar um minuto?/ posso te ajudar um minuto?/ posso te assaltar um minuto?/ posso te surrar um minuto?/ posso te matar um minuto?" Além dele, o projeto teve a participação de outros 12 poetas, um ilustrador, uma fotógrafa e uma artista hippie (ver quadro). "Ela (a artista Roseli Kraemer), por atuar no Largo 13, nos ajudou no contato com o pessoal dali", explica a fotógrafa Sissy Eiko, de 26 anos, que fez 874 imagens do bairro - sete delas acabaram publicadas no livro. "Para mim foi uma experiência maluca porque nunca tinha ido à periferia", revela o ilustrador Jozz, de 25 anos, que há seis anos veio de Jaú (SP) para morar no centro de São Paulo. "Enchi um caderno com ilustrações das andanças que fizemos em Santo Amaro." Para nortear o trabalho dos poetas, o grupo determinou que cada um escreveria sobre um tema predefinido. Treze temas. Na lista: as prostitutas do Largo 13, os eventos da Praça Floriano Peixoto, as grades da mesma praça, a Linha Lilás do Metrô, os vendedores ambulantes, o poeta santamarense Paulo Eiró (1836-1871), um passeio noturno pelo bairro, a história da região, a diversidade cultural, a miscigenação, o meio ambiente, a marca dos escravos e uma ode aos artistas. Imbuídos da missão, os poetas, em geral assíduos frequentadores de saraus paulistanos, não economizaram inspiração para a empreitada. "Um dos grandes problemas que a gente tem na zona sul é chegar ao centro da cidade e o sonho do santamarense sempre foi ter um metrô", se justifica Ad Rocha, de 49 anos. "Só que quando chegou, ligava o Largo 13 ao Capão Redondo." A Erika Pires, de 21 anos, coube homenagear Paulo Eiró. "Ele é de uma importância que as pessoas escondem", diz. Também jovem, João Rosalvo, de 23 anos, enfrentou o papel de poeta-boêmio e desvendou a noite santamarense. "Na adolescência, eu morava perto da Represa de Guarapiranga e tinha muito contato com Santo Amaro. Os ônibus que pegava sempre passavam pela região do Largo 13", lembra. "Via as brigas de bar, os menores que moram na rua, as ?trabalhadoras da noite?... E a estátua de Borba Gato, aquele grande bonecão com cara de santo e uma arma na mão." Para o pernambucano Carlos Galdino, de 30 anos, que vive na capital paulista desde 1994, o Largo Treze é um verdadeiro Nordeste paulistano. "Tem muito da cultura do ?norte? ali, até naquele comércio. Por que não criar um polo cultural na zona sul?", defende. O baiano Rui Mascarenhas, de 46 anos, optou por tratar de um tema histórico. "Santo Amaro foi rota de passagem de negros fugidos para o Quilombo de Cafundó, no interior", conta. "Quando eu passo por aqueles caminhos, reencarnado naquelas visões, o que eu vejo? As casas, as pequenas construções, o sofrimento, as ruas estreitas..." Já a escolha de Domenico Almeida se mistura com sua chegada a Santo Amaro. Ele se mudou para lá, vindo de Sorocaba (SP), há 13 anos. Na mesma época em que a Praça Floriano Peixoto era cercada por grades. "Meu poema é uma discussão profunda da questão do espaço público e do espaço privado. Há um processo de isolamento", argumenta. "A praça gradeada foi uma solução ruim, mas os camelôs, as drogas e os pontos de prostituição a estavam invadindo." Em sua opinião, a melhor solução seria ocupar a praça com arte. " Tem um coreto, tem o artesanato local...", enumera. E a poesia, contemporânea, urbana, periférica, criada diuturnamente pelos 13 poetas de Santo Amaro.

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