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Os últimos dias da Favela da Paz

Barracos darão lugar a prédios e alça de acesso

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Por Redação
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A vendedora de acarajés Maria Pereira, uma das moradoras mais antigas da Favela da Paz - ocupação próxima à Ponte Julio de Mesquita Neto, na Marginal do Tietê - já avisou: não pretende sair dali, onde vive há 15 anos, por dinheiro nenhum. "Não quero saber de ?favela em pé?, não gosto de apartamento", repete ela, que vive na favela com o marido, cinco filhos, duas noras e um neto em um barraco de pouco menos de 20 metros quadrados. Mas, se depender dos planos dos governos municipal e estadual, ela terá sim de se mudar. Assim como a vizinha Favela Aldeinha - esvaziada em janeiro, após um processo que levou sete meses -, onde viviam 576 famílias, os cerca de 900 barracos e casebres de alvenaria que existiam na Favela da Paz começaram a ser removidos há seis meses. A primeira etapa, que extinguiu as habitações das áreas de risco, foi concluída no início da semana e hoje não resta quase nenhum dos barracos que vão dar lugar a uma alça que dá acesso à Marginal do Tietê. De acordo com a Secretaria Municipal da Habitação (Sehab), as famílias retiradas puderam optar por receber R$ 5 mil de verba de apoio habitacional - o popular cheque despejo -, R$ 8 mil para compra de moradia da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) ou auxílio aluguel, no valor de R$ 300 mensais. Das 331 famílias que já saíram dali, 29 escolheram a última opção. É o caso de Maria Alves da Silva, que há oito anos pegou sua televisão e R$ 550 e trocou por um barraco na Favela da Paz. Seis meses atrás, ela - que trabalha como mascate - e o marido - pedreiro - deixaram o endereço e foram para um apartamento. "Mas não está dando muito certo, não. Acho que vamos ter de voltar a morar em barraco de novo." Ela argumenta que o dinheiro que eles ganham não é suficiente para as despesas. Parte da área de 21 mil metros quadrados ocupada pela favela será utilizada para a construção de uma alça de acesso à Marginal do Tietê. No restante, graças a uma parceria com o governo do Estado, a meta é a construção de um conjunto habitacional com 400 unidades, obra cuja licitação deve ser aberta no meio deste ano. Serão edifícios com cinco andares e infraestrutura sanitária completa. "A expectativa é que os prédios fiquem prontos no ano que vem", afirma o secretário da Habitação, Elton Santa Fé Zacarias. Cada unidade deve custar R$ 45 mil, mas as prestações serão subsidiadas, conforme padrão do CDHU. Por enquanto, a torcida entre os remanescentes é para que tudo isso não saia do papel. Basta uma caminhada pelo que restou da favela - entre os escombros dos barracos destruídos - para entender que todos ali querem ficar onde estão. A ideia de viver em um conjunto habitacional, chamado por eles de "favela em pé", parece algo abominável. "O morador de uma favela - pobre e, em geral, de família numerosa, com muitos filhos - não gosta de ser transferido para apartamento", comenta o arquiteto e urbanista Cândido Malta Campos Filho, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). "O apartamento não possibilita o ?puxadinho?, nem vertical - lajes que chegam a cinco andares -, nem horizontal." Na casa de verdade, a família múltipla da favela não cabe. Além disso, em região urbanizada, há taxas que muitos moradores não podem pagar, como água e luz. A Favela da Paz não tem nenhuma estrutura de saneamento básico. Segundo o secretário da Habitação, é possível que algumas construções sejam preservadas. "As casas melhores, que estão construídas há mais tempo, ainda passarão por um estudo", admite - a região começou a ser ocupada em 1979. "Mas caso alguém não aceite sair de jeito nenhum e julgarmos necessário, iremos até o limite: a reintegração de posse. Trata-se de área pública." A eliminação da favela traz resultados benéficos à vizinhança. "São construções feias que degradam o entorno", analisa Cândido Malta. "O problema é que muitos moradores dali acabarão se transferindo para outras favelas." Toda a operação de remoção da Favela da Paz tem sido acompanhada pela Guarda Civil Metropolitana (GCM), que, até agora, não registrou nenhum incidente. Enquanto isso, o olhar da ambulante Adelizia Almeida Rocha perde-se no horizonte de entulho, onde antes estavam os barracos de seus vizinhos. Sua casa, de apenas um cômodo, restou isolada. É uma ilha de pobreza em meio à miséria destruída. "Moro sozinha, apenas com Jesus", frisa ela, que é evangélica. "E, se eu não assinar nada, ninguém pode me tirar daqui."

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