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Ouro Preto restaura casas históricas do século 18 de moradores de baixa renda

Projeto com investimentos de R$ 1,4 milhão também capacita quem vive nos imóveis para manter a conservação após as reformas

Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela
Atualização:

SOROCABA- A histórica Ouro Preto, em Minas Gerais, com 75 mil habitantes, detém um dos mais importantes conjuntos arquitetônicos do País. São casas com mais de 200 anos de história, erguidas com o emprego de técnicas construtivas do período colonial, que fazem parte de um tecido urbano complexo, onde se entrelaçam o barroco e o contemporâneo, o passado e o presente. Na maioria dos casos, os moradores não dispõem de condições financeiras para investir na simples conservação, quanto mais na restauração desse singular patrimônio.

Para preservar as características históricas e culturais das habitações, mantendo também a segurança dos moradores, o Instituto de Arte Contemporânea de Ouro Preto (IA), deu início ao Projeto Bomserá que, além de restaurar as casas, vai capacitar quem mora no local para a conservação do imóvel. Inicialmente estão sendo realizados restauros em três casas do século 18 que são propriedades dessas famílias.

A casa de Jaqueline Rodrigues, feita em taipa de mão e pau-a-pique há quase 300 anos, é um dos imóveis que estão sendo restaurados. Foto: Lucas Godoy/Suttane - Divulgação.

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O projeto, com apoio do escritório técnico local do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), também realiza ações educativas, que acontecem em paralelo às oficinas de restauro, todas voltadas para a comunidade, professores e alunos do ensino médio de Ouro Preto e região. As casas foram selecionadas entre 16 moradias consideradas relevantes para a arquitetura urbana e a cultura local, levando em conta também a urgência do restauro conservacionista.

As obras tiveram início em 27 de junho e os interessados já se inscreveram para as oficinas. "O objetivo é restaurar essas casas e capacitar os moradores das edificações que recebem as intervenções, para que possam eles mesmos realizar a manutenção preventiva de suas casas. Além disso, o projeto contribui para formar mão de obra qualificada para futuramente poder atuar em obras de restauração", disse a diretora do IA, Bel Gurgel.

Gerações

A casa da família da cuidadora Jaqueline das Mercês Rodrigues, de 49 anos, já está sendo restaurada. As obras começaram pela retirada do reboco que reveste as paredes de taipa de mão (pau a pique). O prédio, um sobrado de nove cômodos, no bairro Cabeças, tem quase 300 anos e muita história, segundo ela. "Muitas gerações da nossa família viveram nela. Minha avó Violeta recebia os irmãos, filhos, netos em reuniões familiares que foram mantidas pela minha mãe, Aparecida." 

Aparecida Rodrigues morreu no dia 13 de janeiro, aos 78 anos, um mês após saber que sua casa tinha sido contemplada com o restauro gratuito. "Cheguei em casa e a encontrei com os olhos inchados de tanto chorar, mas de alegria. Nossa casa estava quase caindo e reformar era um sonho dela. Só não tínhamos condições, pois teria de ser uma restauração, que é muito cara", disse a filha.

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Além da restauração, o projeto capacita os moradores para conservar os imóveis e oferece cursos na área de patrimônio histórico. Detalhe da parede de taipa na casa Foto: Lucas Godoy/Suttane - Divulgação

As oficinas contam com aporte pedagógico de carpinteiros, pedreiros, pintores e instaladores que atuam na área dos ofícios tradicionais, além de tecnólogos, pesquisadores e professores - os dois últimos, por meio de parceria firmada com o curso de Conservação e Restauração de Bens Imóveis do IFMG - Câmpus Ouro Preto, direcionada a alunos da instituição, profissionais da construção civil em busca de qualificação e outros interessados.

Segundo a diretora, as oficinas formam agentes de memória e patrimônio e envolvem inclusive moradores das casas. "Aliado ao valor cultural das moradias, o Bomserá amplia o senso de cidadania das famílias participantes, reforçando o sentido de lar em suas casas, promovendo a sensibilização sobre os aspectos históricos do seu lar e da cidade. É um projeto proposto para colaborar com a preservação de imóveis tombados, numa ação que reforça para seus ocupantes a importância do patrimônio", afirmou.

O marido de Jaqueline, Alex Garcia da Silva, que trabalha como vigilante, já se cadastrou em um dos cursos e tem aulas práticas trabalhando na restauração da casa da família. O plano dele é sair habilitado para trabalhar em restauros. "Esse projeto trouxe transformação em nossas vidas e, com ela, esperança. Nossa casa estava tão danificada que quando vinha a chuva a gente morria de medo. Quando caminhava por Ouro Preto, eu não dava valor. Agora, olho as casas, as estruturas e sei que cada cantinho desse tem sua história e seu valor", afirmou Jaqueline.

Cápsula do tempo

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O nome do projeto faz referência a um dos conjuntos que recebem as obras emergenciais. Bom-será ou Bomserá é uma construção típica do século 18, presente nas cidades históricas que fizeram parte do Ciclo do Ouro, em Minas Gerais, como Ouro Preto, Mariana, Sabará e Caeté. São edificações de grande valor histórico, tendo como principal característica o uso de parede-e-meia. "Essas construções foram edificadas encostadas umas nas outras, a partir de uma única estrutura, dividida em várias residências. As casas são conjugadas e uma estrutura sustenta a outra, amplificando o convívio entre as famílias, pois elas viviam misturadas", explicou Bel.

Para a comunidade escolar, serão oferecidas duas edições da “Oficina de formação em linguagens”, com o objetivo de abordar conhecimentos relacionados à cultura, à preservação e à memória em contato com as oficinas de restauro. Elas são gratuitas e serão selecionados 30 candidatos para cada edição. A primeira edição é dirigida a estudantes do ensino médio - na qual os participantes selecionados terão acesso a uma bolsa de estudos -, e a segunda, voltada para professores de escolas públicas e privadas de Ouro Preto e região.

A casa de Jaqueline Rodrigues, feita em taipa de mão e pau-a-pique há quase 300 anos, é um dos imóveis que estão sendo restaurados. Foto: Lucas Godoy/Suttane - Divulgação

Ao longo do desenvolvimento das oficinas de restauro serão organizadas conversas, dinâmicas e visitas mediadas às obras pelos moradores da cidade, promovendo o diálogo com o patrimônio histórico e cultural, material e imaterial. "Essa iniciativa também dará visibilidade aos profissionais locais que vão ministrar as oficinas, muitos com habilidades que eles quase não têm a oportunidade de mostrar", disse a diretora. Cada casa restaurada terá uma cápsula do tempo embutida nas paredes com objetos, documentos e fotos dos moradores atuais.

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O projeto, apoiado também pelo Ministério do Turismo e Instituto Cultural Vale, tem duração prevista para seis meses e recebeu investimento de R$ 1,4 milhão. A expectativa do IA é que o Instituto Vale e outros parceiros deem continuidade ao projeto para atender as outras moradias que precisam de restauro. "Ao lado da necessidade de resguardar as características arquitetônicas e históricas das casas e assegurar o bem-estar social de seus moradores, o projeto contribui para a manutenção de Ouro Preto como Patrimônio Cultural da Humanidade", lembrou.

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