"Ouvi os gritos de desespero da minha família"

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Por Agencia Estado
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A aparente tranqüilidade dos irmãos Luiz Carlos e Josinei Moreira Bastos escondia a tragédia por que passavam nesta segudna-feira, na região mais afetada pelas fortes chuvas da madrugada em Angra dos Reis. Os desmoronamentos provocados pelas águas destruíram as três casas da família em Areal e mataram 14 parentes: mãe, padrasto, quatro irmãos, dois cunhados e seis sobrinhos. Aturdidos mas resignados, nenhum dos dois chorava a morte da família. "Não pude salvar ninguém" Luiz Carlos, de 32 anos, foi o único sobrevivente da avalanche que levou sua casa. "Não adianta ficar desesperado, a vida é essa. Vi minha mãe morrer, as paredes caindo, mas não pude fazer nada. Corri, caí, saí rápido que nem um relâmpago, pulando os muros, ao mesmo tempo em que ouvia os gritos de desespero da minha família e dos vizinhos. Infelizmente, não pude salvar ninguém." O irmão Josinei se salvou porque mora em outro bairro de Angra dos Reis. Foi avisado "às 8h03" da morte da família. Ele pretendia convidar a mãe e irmãos para reunir a família e celebrar a festa de Natal em sua casa. "Agora acabou a festa, acabou tudo. Tudo o que eu tinha foi embora, só me restaram a minha mulher, meu filho e três irmãos." Josinei levou a reportagem do Estado até o lugar onde moravam seus parentes. "Ali ficava a casa." Apontou, entre os escombros, o "computador da Kelly", sobrinha de 16 anos, filha da irmã Josemary, de 33. As duas morreram abraçadas, e Josemary tinha o caçula, Kauã, agarrado às pernas. O ano 2002 já estava marcado pela morte acidental de um tio que estava hospedado na casa de Josinei. Caiu da garupa do jet ski e morreu afogado, na Páscoa. "Nunca vou esquecer este ano. Quatorze de uma vez só é demais." A irmã dos dois, Simone, por sua vez, estava em estado de choque. Não parava de chorar e tinha os olhos vidrados, sem rumo. "Hora de morrer" A enxurrada que destruiu a família Moreira Bastos arrastou morro abaixo casas e árvores da região. Alguns dos 19 corpos encontrados em Areal estavam soterrados a 300 metros das casas. Restos de muros, troncos de árvore de mais de 3 metros de altura e carros virados de cabeça para baixo davam uma idéia da força com que as águas caíram. Chamada por moradores no início da madrugada, a Defesa Civil chegou a ir ao local, a essa altura sofrendo apenas com o alagamento das residências. Saiu em seguida. Pouco mais de uma hora depois, a grande avalanche destruiu casas e matou 19. "Não sei se estou aqui" "Bebi tanto daquela água, que chegava quase ao meu pescoço. Nós só esperávamos a hora de morrer, eu carregando duas netas, uma em cada braço. A gente teve de pular janelas, muros, para fugir. Estou viva, mas nem sei se sou eu que estou aqui", contou a aposentada Joana D?Arc Bernardes, de 61 anos. "A gente estava em casa quando o barranco desabou. Meu sogro correu e chamou todo mundo. Minha casa ficou toda rachada, perdi móveis, geladeira, tudo", disse Maria José de Almeida, de 24 anos. Ciep agora é abrigo Algumas das crianças que morreram estudavam no Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) João Gregório Galindo. A escola agora serve como abrigo para pelo menos 18 famílias, que tiveram as casas afetadas pelas chuvas, e concentrava nesta segunda-feira as atividades de voluntários da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros no resgate de corpos e atendimento médico de feridos. De acordo com o diretor, Flávio Paiva Lima, as aulas desta semana foram suspensas, por determinação da Coordenadoria Regional da Baía da Ilha Grande. O velório coletivo das vítimas será na Escola Estadual Doutor Arthur Vargas, no centro de Angra dos Reis.

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