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Padre que abençoou união homoafetiva é afastado em Goiânia

César Garcia não usou batina nem paramentos típicos. Segundo o arquiteto Léo Romano, não houve cerimônia religiosa, apenas uma celebração sobre o amor de um casal que está junto há 11 anos

Por Marília Assunção
Atualização:

GOIÂNIA - Uma instrução teológica (cânon bíblico) foi aplicada pela Arquidiocese de Goiânia para afastar um padre que abençoou uma união homoafetiva de dois arquitetos. O padre afastado, César Garcia, agora responde ao Tribunal Eclesiástico de Goiânia com base no cânon número 1.722 que, segundo ele, foi revisto em 1983 e manteve inspiração radical, "baseado nas punições medievais da Inquisição".

O decreto de suspensão da ordem foi assinado pelo arcebispo de Goiânia, d. Washington Cruz. Com isso, o religioso fica impedido temporariamente de celebrar missas, casamentos, batizados, entre outros sacramentos.

Padre é afastado após bênção a casal gay Foto: Arquivo Pessoal

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O assunto tomou conta das redes sociais e uma campanha em defesa do padre foi lançada esta semana pelo casal de arquitetos, Léo Romano e Marcelo Trento, intitulada "#euapoioopadrecesar".

Eles se casaram após 11 anos de relacionamento. A união, celebrada em um condomínio fechado, onde fica a casa de Romano, no dia 20 de maio, tornou-se pública recentemente, com a divulgação de fotos da bênção feita pelo religioso, que não usava batina nem os demais paramentos típicos.

Com a evolução dos comentários, veio o afastamento e o decreto do arcebispo entregue na terça-feira a Garcia, que é um padre secular, ou seja, não está ligado a uma congregação específica dentro da Igreja Católica. 

Romano se declarou surpreso com a reação do arcebispo de Goiânia: "Não era uma cerimônia religiosa, o padre César veio como nosso amigo, como alguém que fala muito bem e que fez uma celebração sobre o amor, abençoando o casal, a casa e as testemunhas da união, mas agora é respondido com uma reação homofóbica da igreja". O arquiteto diz que ele e Trento pensam em fazer um apelo direto ao arcebispo.

Na tarde desta quarta-feira, 11, César Garcia estava à procura de outro padre com formação em Direito para fazer sua defesa no Tribunal Eclesiástico. Segundo ele, o defensor terá também de ser mestre ou doutor em Direito Canônico. Ele tem uma semana para apresentar a defesa. Depois, começa a fase de ouvir as testemunhas.

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Ainda muito revoltado com o afastamento, o padre fez duras críticas à decisão do arcebispo. "Usando um cânon esdrúxulo, que na época medieval aplicaria até a prisão do padre envolvido para afastá-lo dos fiéis, fui condenado previamente, antes mesmo da defesa."

Aviso. O padre afirma que avisou o arcebispo há cerca de três meses de que atenderia o convite para abençoar a união homoafetiva dos amigos arquitetos. Ele disse que tomou a iniciativa por se tratar de pessoas conhecidas (Léo Romano, por exemplo, já decorou casas no Programa Lar Doce Lar, do apresentador Luciano Huck) e que provavelmente seria divulgada sua presença nos meios de comunicação. "Ele não disse nada e eu sai aliviado, mas, assim que isso repercutiu, antes mesmo de ouvir as testemunhas, fui afastado". Em nota ao Estado, o porta-voz da Arquidiocese negou o aviso prévio.

Para Garcia, o processo poderia ter sido aberto com ele sendo mantido no exercício da ordem e, após as oitivas, se o Tribunal entendesse que era caso para suspensão, aí sim ele seria punido. "O afastamento agora é uma condenação prévia que vai na contramão do que o próprio papa Francisco tem dito sobre a união gay." O padre se referiu a uma entrevista, no ano passado, em que o papa manifestou tolerância aos homossexuais ao afirmar: "Se uma pessoa é gay, procura Jesus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?".

O padre deixou a Paróquia São Leopoldo, no Setor Jaó, bairro nobre de Goiânia. Em 30 anos de sacerdócio, foi a primeira vez que Garcia foi punido, o que foi confirmado pelo porta-voz do arcebispo, padre Luiz Henrique Brandão, incumbido de falar por d. Washington Cruz.

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