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Padre Robson: de artista a investigado por desvio de pelo menos R$ 120 milhões em doações

Principal alvo da Operação Vendilhões do Ministério Público de Goiás, o pároco também comanda a rede própria de televisão TV Pai Eterno e sua imagem é vendida em barracas espalhadas por Goiânia

Por Andréia Bahia
Atualização:

GOIÂNIA - "Todos os funcionários da Associação Filhos do Pai Eterno ( Afipe) são obrigados a assinar um termo de confidencialidade e, embora outros padres façam parte da Afipe, padre Robson tinha o controle exclusivo da gestão dos recursos." A afirmação é do promotor Sandro Barros, que faz parte do grupo que investiga os supostos crimes praticados pelo pároco Robson de Oliveira, que ficava à frente da associação. O religioso é investigado por suposta apropriação indébita, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Padre Robson de Oliveira Foto: Facebook/Reprodução

Afastado pela Igreja Católica e, por isso, não podendo celebrar missas, o padre  é o principal alvo da Operação Vendilhões, do Ministério Público de Goiás, que verificou que o pároco e a Afipe transferiram, em três anos, cerca de R$ 120 milhões para empresas e pessoas investigadas, supostamente laranjas.   A primeira aparição do sacerdote nas páginas policiais se deu em março de 2017, quando ele denunciou à polícia que estava sendo vítima de extorsão por parte de um grupo que ameaçava divulgar informações pessoais, amorosas e profissionais envolvendo o religioso. Ele chegou a pagar mais de R$ 2 milhões para o grupo; parte em conformidade com as orientações da polícia, outra parte sem informar os investigadores. O recurso usado para pagamento da extorsão veio da Afipe, o que deu origem a investigação que culminou na operação Vendilhões, que apura o desvio de dinheiro obtido com doações de fiéis das três associações ligadas à Igreja Católica em Trindade.   Segundo Barros, ao longo do tempo, a associação teve três configurações, saindo de uma mais "democrática", com participação de mais gestores, até chegar na estrutura atual, na qual o poder era exclusivamente de padre Robson. Ainda de acordo com o promotor, provavelmente nem sequer mesmo a Arquidiocese de Goiânia sabia do volume de dinheiro oriundo de doações que a Afipe recebia e movimentava. A reportagem entrou em contato com a Arquidiocese de Goiânia, mas ainda não obteve retorno. Robson de Oliveira, de 46 anos, nasceu na cidade de Trindade, que fica a 23km de Goiânia, onde fica o Santuário do Divino Pai Eterno. Entrou no seminário aos 14 anos, foi ordenado aos 24 e, antes de se tornar reitor do Santuário, esteve na Irlanda e em Roma, onde fez seu mestrado em Teologia Moral pela Universidade do Vaticano. O pároco assumiu a reitoria do Santuário em 2003. Até 2004, a Romaria do Divino Pai Eterno contava com dois padres, que rezavam duas missas pela manhã e uma à noite para os fiéis da região. Hoje, a romaria é o segundo maior encontro religioso do Brasil, recebendo cerca de 4 milhões de romeiros. Fica atrás apenas da festa de Nossa Senhora Aparecida, a principal do Centro-Oeste e a maior festa do mundo dedicada ao Divino Pai Eterno. Desde que assumiu, padre Robson passou a investir na sua comunicação com os fiéis. Seu primeiro programa entrou no ar em 2006; primeiro transmitindo missas rezadas por ele e, depois, a novena do Divino Pai Eterno. Esta exposição diária fez do padre um artista de televisão. Os devotos, por muitas vezes, se comportam como fãs, querendo tirar fotografias e tocá-lo. A imagem do padre se tornou tão forte entre os fiéis que ele se confunde com a do próprio Divino Pai Eterno. Os pôsteres de Robson são vendidos da mesma forma que a imagem da Santíssima Trindade nas barracas espalhadas pela cidade.   A fama também está associada a uma rede própria de televisão, a TV Pai Eterno, com programação 24 horas por dia em sinal aberto, sendo três horas diárias com programas comandados pelo pároco. Mais de 4,8 milhões de seguidores nas redes sociais alimentavam uma rede de arrecadação de doações que, segundo a denúncia do MP, chegava a cerca de R$ 20 milhões por mês. Nova Basílica e o maior sino do mundo O dinheiro seria para construir o novo santuário do Divino Pai Eterno, que vem sendo erguido em uma área próxima à atual igreja desde 2012. O projeto prevê a construção de um dos maiores santuários do mundo, com 433 pilares de sustentação, 130 metros de altura do subsolo ao ponto mais alto -  mais que o dobro do Santuário de Aparecida. Mais de 60 sinos vindo da Polônia, incluindo o maior sino do mundo, de 4,5 metros de diâmetro, 5 de altura e 55 mil quilos, estavam previstos no projeto. O empreendimento também deve ter a maior cúpula, de 94 metros de altura, e a maior praça aérea do mundo. Produzido na Cracóvia, cidade da Polônia, o sino feito de uma combinação de cobre e estanho, com imagens em fundição na parte externa narrando a história da Santíssima Trindade, desde 1840 até a construção do santuário na cidade goiana de Trindade, levou cinco anos para ficar pronto e custou R$ 6 milhões. Está retido no porto de Santos (SP). A obra, que era para ser entregue em 2022, iria custar R$ 100 milhões e está orçada, agora, em R$1,4 bilhão, segundo o próprio padre Robson. Devoção A devota do Divino Pai Eterno, Iraci Borges, de 95 anos, não mudou sua opinião sobre o padre Robson de Oliveira depois que ele passou a ser investigado pelo Ministério Público de Goiás por suposto desvio de recursos recebidos em doação. Moradora de Trindade e telespectadora assídua da TV Pai Eterno, ela afirma que a devoção dela se mantém. “Ele está fazendo muito por Trindade e pela romaria, e tudo que está comprando agora é para concluir a construção da nova basílica”, justificou. A mesma convicção pode ser vista na página do Facebook do pároco, que é seguida por quase 4 milhões de pessoas.  A última postagem, feita no domingo, 23, às 7h16, sobre o evangelho, já soma 5,6 mil comentários sobre o envolvimento do padre na investigação. Defesa Em nota encaminhada à imprensa na noite de domingo, 23, pela assessoria, o religioso afirma que “recebe com humildade a revogação temporária do uso de ordens. Trata-se de um procedimento previsto no direito canônico” e que ele seria “o maior interessado no esclarecimento de todas as questões e na total transparência de todas as suas ações."

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