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Padres alemães desafiam o papa Francisco celebrando casamentos de pessoas do mesmo sexo

Para os católicos gays que há muito tempo se sentem marginalizados pela Igreja, bênçãos são motivo de comemoração

Por Luisa Beck e Chico Harlan
Atualização:

BERLIM - Nos últimos dias, padres alemães de mais de cem igrejas vêm celebrando casamentos de casais gays num desafio coordenado, às vezes transmitido online em tempo real, à ordem emitida pelo Vaticano assinada pelo papa Francisco.

Para os católicos gays que há muito tempo se sentem marginalizados pela Igreja Católica, as bênçãos são motivo de comemoração, marcadas por sermões sobre inclusão e as igrejas decoradas com um arco-íris. Mas os eventos constituem também uma rebelião aberta e um teste para um pontífice cujo mandato tem sido marcado por divisões no tocante a temas polêmicos, especialmente a posição da Igreja sobre a homossexualidade.

Brigitte Schmidt abençoa casais homossexuais em Colônia Foto: Thilo Schmuelgen/Reuters

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“O arco-íris é um símbolo político”, disse o padre Hans-Albert Gunk, do Dominikanerkloster St. Albertus Magnus, aos membros da congregação em uma das primeiras de uma série de cerimônias realizadas na segunda-feira, 10. “Deus não exclui ninguém do seu amor”, afirmou o padre.

Um a um, casais como Alexander Langwald, 42 anos, e seu parceiro, se aproximaram do padre para receber a bênção.

“Isto tem a ver com igualdade, o fato de que todos nós pertencemos à criação de Deus, não importa a relação em que vivemos”, afirmou Langwald, católico que, embora casado com seu parceiro, nunca, até sábado, recebeu a bênção da igreja.

As cerimônias são realizadas dois meses depois de o papa Francisco assinar e expedir declaração barrando os padres de abençoarem uniões do mesmo sexo. Apesar de o decreto do Vaticano reafirmar ensinamentos antigos, de qualquer maneira ele causou uma comoção na Igreja, ao enviar uma mensagem discordante de um pontífice que, no geral, sempre procurou acolher os gays e cuja frase “quem sou eu para julgar” ficou famosa.

Observadores do Vaticano procuraram interpretar a razão do documento e as motivações do papa. Muitos entenderam o decreto como um alerta aos líderes católicos na Alemanha, que há anos vêm realizando reuniões - alarmando os conservadores - onde vêm revendo diversos temas importantes no âmbito da Igreja, incluindo o papel das mulheres e o ensino da sexualidade.

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O decreto da Congregação para a Doutrina da Fé, assinado pelo papa, afirma que Deus “não pode abençoar o pecado”, e que é “ilícito” um padre reconhecer uniões homossexuais.

No passado, padres na Alemanha e em outras partes do mundo já vinham silenciosamente abençoando uniões gays. Mas o objetivo das cerimônias que tiveram início no fim de semana e continuaram na segunda-feira, é tornar pública a posição dos padres. A decisão certamente aumentará a percepção de que a Alemanha é um centro de tensão com o catolicismo romano. Alguns conservadores acusam os líderes católicos alemães de conduzirem a igreja para um cisma com Roma.

Cerimônia em frente aigreja católica em Colônia Foto: Sascha Steinbach/EFE

As cerimônias alemãs são uma resposta direta ao decreto expedido pelo Vaticano, afirmou Bernd Mönkebüscher, da cidade de Hamm, o primeiro padre na Alemanha a admitir ser gay sem perder sua função. Depois do pronunciamento da Santa Sé, ele ajudou a colher assinaturas de padres católicos e agentes pastorais de todo o país em apoio à bênção de casais gays. Em duas semanas, ele e seus colegas colheram 2.650 assinaturas.

“Notamos que causamos uma grande controvérsia na Alemanha”, disse. Assim ele deu mais um passo e idealizou um “dia de bênção para todos os amantes” e usou a #hashtag “#liebegewinnt” (o amor vence) para anunciar a bênção de casais de todas as orientações sexuais.

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“Nosso desejo foi enviar um sinal de conciliação para as pessoas que se sentem mal compreendidas e estigmatizadas como “pecadoras”, disse Mönkenbüscher. Entre as mais de 100 cerimônias, cerca de 20 serviços foram ou serão transmitidos em tempo real online.

A iniciativa é a primeira na história recente da Alemanha, afirmou Thomas Schüller, diretor do Institute of Canon Law na Universidade de Münster. Ele a comparou aos protestos de casais em 1969, quando a Igreja Católica se manifestou contra o uso de métodos contraceptivos. Mas as cerimônias agora são lideradas e organizadas pelos padres.

“Eles não estão agindo em segredo, mas se levantando e assumindo a responsabilidade pelo que estão fazendo. Isso é extraordinário”, disse Schüller.

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Nos Estados Unidos, ativistas pelos direitos gays organizaram protestos contra o decreto do Vaticano e universidades católicas reafirmaram sua acolhida de alunos gays. Mas o clero católico não se mostrou abertamente desafiador. O cardeal de Boston, Sean O’Malley, e o Cardeal Peter Turkson, membro da Cúria Romana, defenderam a posição do Vaticano.

A igreja germânica foi mais longe do que outras igrejas católicas nacionais, em parte porque está mergulhada profundamente numa crise. Os alemães vêm abandonando em massa a igreja. As reuniões dos padres a nível nacional foram motivadas por um relatório em 2018 mostrando os muitos abusos sexuais de crianças. Os bispos alemães se tornaram as vozes mais progressistas entre os líderes católicos. Mas alguns, apesar de criticarem o pronunciamento do Vaticano em março, não se envolveram na organização desta iniciativa particular.

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O presidente da Conferência Nacional dos Bispos, Georg Bätzing, de Limburg, se opôs às bênçãos num comunicado em que afirmou que não eram “convenientes” e “não adequadas como instrumento de manifestações políticas ou ações de protesto dentro da Igreja”. Ele havia se manifestado a favor das bênçãos de casais do mesmo mexo e em uma declaração feita em março afirmou que “o tema das relações bem-sucedidas”, deveria ser discutido pela Igreja alemã como parte da sua reavaliação das práticas e ensinamentos católicos alemães.

Outros bispos, incluindo Rainer Maria Woelki, de Colônia, e Stephan Burger, de Freiburg, receberam bem a proibição do Vaticano, segundo o Registro Nacional Católico.

Embora o casamento de pessoas do mesmo sexo tenha sido legalizado na Alemanha em 2017, muitas igrejas católicas não realizam cerimônias dessas uniões. As bênçãos, quando dadas, em geral são realizadas a portas fechadas.

Monika Schmelter, 65 anos, de Lüdinghausen, disse que ela e sua parceira foram abençoadas secretamente por um padre católico na Holanda há 31 anos. “Há 30 anos, nossa relação era mantida secreta e só podíamos mostrá-la em privado e com medo. Hoje vivemos num tempo de incrível transformação”. Na segunda-feira, junto com outras centenas de casais em toda a Alemanha, ela e sua parceira pretendiam ser abençoadas em uma igreja católica alemã pela primeira vez.

“Isso me toca e me comove profundamente”, afirmou Schmelter, assistente social aposentada que trabalhou para Caritas, instituição católica beneficente. Ela contou que quase foi demitida quando a entidade soube que era lésbica. “Por um lado, sinto tristeza de que isto esteja ocorrendo apenas hoje, na minha sétima década de vida, mas por outro comemoro porque agora existe algum movimento em nossa Igreja”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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