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País elege mulher presidente, mas agenda feminista deve emperrar

Há os compromissos de campanha, as pressões de sempre e uma bancada evangélica [br]50% maior no Congresso

Por Marta Salomon
Atualização:

A eleição de Dilma Rousseff é um paradoxo para a causa feminista. A chegada da primeira presidente mulher da história do Brasil registra um avanço inédito na participação das mulheres nos espaços de poder e decisão. Mas o governo Dilma não promete nenhum avanço nos pontos mais polêmicos da agenda feminista.O problema é o contexto em que Dilma Rousseff vai assumir o governo, marcado por compromissos de campanha, pressões de religiosos e a eleição de uma bancada evangélica ainda maior para o Congresso, onde estão em pauta há anos questões como a descriminalização do aborto e a união civil entre pessoas do mesmo sexo, além do projeto que torna crime a homofobia.A bancada evangélica cresceu 50% na última eleição e agora conta 63 deputados e 3 senadores (só perde em número de parlamentares para o PT e o PMDB, os dois maiores partidos com representação no Congresso). Tradicionalmente, ela trabalha contra a legalização do aborto e do casamento gay e as punições à homofobia.Recuo de Lula. As dificuldades para levar adiante o debate sobre a descriminalização do aborto e a possibilidade de as mulheres decidirem sobre a interrupção da gravidez vêm sendo reafirmadas há mais de uma década. Mostraram-se insuperáveis em maio deste ano, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuou no apoio ao projeto de lei que descriminaliza o aborto.Num remendo ao Plano Nacional de Direitos Humanos, Lula manteve apenas a menção de que o governo considera o aborto um tema de saúde pública. O aborto sem acompanhamento médico é a quinta causa de mortes de mulheres no país. A lei autoriza o aborto apenas em caso de estupro ou risco de vida às mães.A então secretária de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire, defendeu a interrupção da gravidez na rede pública, por escolha da mulher, até o terceiro mês de gravidez. Sua sucessora, Iriny Lopes, também defende o direito da mulher de interromper a gravidez. Mas a posição da secretaria nunca prevaleceu no governo, diante das fortes pressões religiosas.As pressões recrudesceram durante a campanha eleitoral e fizeram Dilma Rousseff escrever a "Carta Aberta ao Povo de Deus" e deixar de lado o antigo apoio ao debate da descriminalização do aborto.O que ficou na pauta. Restam na pauta da Secretaria de Política de Mulheres, referendadas pelo Plano Nacional de Direitos Humanos, tarefas como desenvolver campanhas sobre planejamento familiar, assegurar o acesso a laqueaduras e vasectomias na rede pública, assim como garantir os direitos trabalhistas de profissionais do sexo. A pauta da Secretaria das Mulheres também prevê a defesa do aumento das vagas em creches, o aumento da licença paternidade e a maior participação das mulheres nas decisões de poder e na política.Com quase um quarto do ministério composto por mulheres, a presidente aumentou a cota de mulheres na Esplanada, ainda dominada por homens em cargos de confiança. Os mais altos postos nos quadros dos postos comissionados (DAS 5 e DAS 6) detêm cerca de uma mulher para cada cinco homens. O porcentual é equivalente ao da participação de mulheres em cargos de dirigentes de empresas.A polêmica do abortoDILMA ROUSSEFFPRESIDENTE DA REPÚBLICA"Não conheço nenhuma mulher que ache aborto uma coisa maravilhosa. Não se deve tratar a questão como religiosa, mas de saúde pública""Nós temos de prevenir que mulheres jovens sejam levadas a esse caminho por falta de alternativa" "A minha posição pessoal é contra o aborto. Como presidente da República eu não posso deixar de encarar (o assunto)""Não sou a favor de plebiscito nesta questão, porque acho que o plebiscito divide o País""Não enviarei (ao Congresso) nenhuma alteração na legislação em hipótese alguma""Minha proposta é dar maior apoio à mulher pobre para que não tenha medo que a obrigue a chegar a esse ponto, a eliminação da vida" "Hipocrisia é fingir que não vê que isso acontece em todos os bairros pobres deste país"

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