País enfrenta epidemia de notícias falsas sobre febre amarela

Fake news têm afastado muita gente da imunização, a mais eficiente forma de prevenção contra a infecção

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Por Roberta Jansen
Atualização:

RIO DE JANEIRO - Com os casos de febre amarela se multiplicando por todo o país, Aline (nome fictício), de 46 anos, tentava decidir se deveria ou não se vacinar. Foi quando recebeu, pelo Whatsapp, um áudio de uma suposta médica, que desaconselhava fortemente a vacina. A comerciante carioca não consegue lembrar o nome da médica, nem onde ela trabalha exatamente. Também não sabe dizer quem divulgou o áudio, que chegou via grupo da família. Ainda assim, a explicação bastou para que tomasse uma decisão – não tomar a vacina.

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“Não me vacinei nem vou me vacinar, é muito perigoso”, disse Aline. “No áudio, a médica explica que a vacina contra a febre amarela foi feita de qualquer jeito e é muito perigosa, que daqui a dez anos todas essas pessoas vão ter problemas por causa das reações. E eu vou tomar uma coisa dessas? Eu não!” O Brasil enfrenta um dos piores surtos dos últimos tempos de febre amarela, com uma taxa de letalidade que beira 50% dos casos. Também lida com uma epidemia grave de notícias falsas, sem nenhuma base científica e de origem incerta, divulgadas pelas redes sociais. Elas têm afastado muita gente da imunização, a mais eficiente forma de prevenção contra a infecção.

Vacina contra febra amarela é aplicada. Foto: Gabriela Bilo/Estadão

De acordo com dados do Ministério da Saúde, de julho de 2017 a fevereiro de 2018 foram confirmados 723 casos de febre amarela no país, com 237 mortes. O maior número de ocorrências está concentrado na região Sudeste, em São Paulo, Minas e Rio.

Num primeiro momento, o aumento do número de casos levou a uma corrida caótica aos postos de vacinação. Com medo de que faltasse imunizante, o governo passou a oferecer doses fracionadas da vacina (que são capazes de proteger por oito anos). Pouco tempo depois, no entanto, o movimento foi muito reduzido, com vários postos de saúde vazios, sem filas e com doses de sobra. O medo da vacina é apontado como responsável pela debandada.

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“Estamos vendo notícias falsas sobre febre amarela se alastrando numa velocidade alarmante nas redes sociais”, afirmou o pesquisador da Fiocruz Igor Sacramento, do Laboratório de Saúde e Comunicação, que estuda o fenômeno das fake news na saúde.

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Uma notícia falsa que circulou sobretudo no Whatsapp relacionava a vacina a casos de autismo – o que tampouco é verdadeiro. Também pelo Whatsapp foi disseminado o áudio da suposta médica falando sobre problemas renais. Há ainda uma notícia falsa feita supostamente com base em um estudo da Fiocruz. O texto diz que a vacina não seria capaz de imunizar contra a doença e remetia ao link do artigo da instituição – um texto mais longo, mas que não afirma que o imunizante não funciona. A Fiocruz divulgou texto desmentindo o boato e reafirmando a eficiência da vacina. 

“Essa disseminação pelo Whatsapp é particularmente complicada porque não temos como mapear o que está circulando”, atesta Sacramento. “E elas estão ficando mais sofisticadas, inclusive na forma, com cara de notícia verdadeira, com edição profissional, usando estudos verdadeiros como base.”

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No Facebook, mais fácil de mapear, há inclusive grupos contrários à vacinação de uma forma geral. Um deles reúne mais de dez mil seguidores e é inspirado em movimentos semelhantes que estão bem disseminados nos EUA e na Europa. “Nos EUA e na Europa esse movimento contrário às vacinas é mais organizado, inclusive politicamente, e tem uma adesão social mais ampla”, diz Sacramento. “Mas está crescendo muito no Brasil, sobretudo por meio das redes sociais.”

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Na Ilha Grande, em Angra dos Reis, município mais afetado do Rio pela doença (foram 34 casos e 14 mortes confirmados até ontem), a vacinação foi afetada pelos boatos, pelo medo e a desinformação, como atesta o secretário de saúde local, Renan Vinícius Santos de Oliveira. “Teve gente que não quis se vacinar, por mais que tenhamos explicado, com medo de possíveis reações”, diz o secretário. “E teve uma família inteira, de veganos, que se recusou a tomar a vacina porque ela é cultivada em ovos.”

O último caso de febre amarela urbana – transmitida pelo mosquito Aedes aegypti – foi registrado em 1942. Desde então, o País teve apenas registros isolados de febre amarela silvestre, transmitida pelos mosquitos Haemagogus e Sabethes. Autoridades sanitárias temem que dada a disseminação da doença, o país volte a ter a transmissão urbana, o que seria um pesadelo do ponto de vista da saúde pública.

A vacina é usada no País desde 1937, sendo o principal instrumento para a erradicação da febre amarela urbana. Segundo especialistas, os efeitos colaterais da vacina são geralmente brandos, como dor de cabeça e febre baixa. Há casos em que os efeitos colaterais podem ser severos e até causar a morte. Mas isso só ocorreria em uma pessoa em um milhão. Ou seja o risco de não tomar a vacina e contrair uma doença grave é muito maior.

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“Risco existe, como existe em remédios e até na comida: tudo tem risco potencial”, afirma a médica Mônica Levi, da diretoria da Sociedade Brasileira de Imunização e autora do livro “Vacinar, sim ou não?”. “Mas as vacinas são muito seguras, os eventos graves são raros e o número das pessoas salvas pelas vacinas é muito superior.”

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