Pais vão à Justiça para estender licença

Ideia é ampliar tempo com filhos após o parto. Com gêmeos, há mais decisões favoráveis.

PUBLICIDADE

Por Julia Marques
Atualização:

Eles querem ser pais em tempo integral - o que significa participar dos cuidados com o bebê desde o nascimento. Mas se veem frustrados quando, poucos dias após o parto, precisam voltar ao trabalho. Contra essa situação, movem ações na Justiça pelo direito de estender a licença-paternidade. Decisões recentes concederam até 180 dias de benefício - todas a pais de gêmeos. Em casos menos raros, o pedido é para aumentar de 5 para 20 dias, prazo já aplicado em órgãos federais e algumas empresas. 

O professor Luís Souto, de 42 anos, ficou seis meses em casa, só para cuidar das filhas gêmeas Catherine e Victória, hoje com 1 ano e 3 meses. O pai entrou na Justiça depois que as meninas nasceram, em fevereiro do ano passado. Servidor público federal, ele cumpriu 20 dias de licença-paternidade, mas teve de voltar ao serviço. Depois de cerca de três meses, conseguiu estender o benefício para mais 160 dias. "Foi como a licença de uma mãe. Foi dada uma liminar na Vara de Itajaí (SC). Não achei que seria tão rápido", conta ele, que é veterinário e dá aulas no Instituto Federal Catarinense (IFC), em Camboriú.

Decisões recentes concederam até 180 dias de benefício - todas a pais de gêmeos. Em casos menos raros, o pedido é para aumentar de 5 para 20 dias, prazo já aplicado em órgãos federais e algumas empresas. Foto: Marcelo Fernandes/Estadão

PUBLICIDADE

A decisão, diz Souto, veio a calhar. Em casa, a mulher, Carla Mörschbächer, de 32 anos, estava sobrecarregada com tarefas domésticas e os cuidados com as gêmeas, enquanto ele, no trabalho, tinha a cabeça nas dificuldades que ela passaria. Sem parentes na cidade, a atenção a Catherine e Victória era dada exclusivamente pelo casal. 

Souto procurou a Justiça depois de ver uma decisão parecida, favorável a outro pai, também de Santa Catarina. O advogado Gustavo Ferreira, do escritório CFH Advocacia e Consultoria, que cuidou dos dois processos, explica que o entendimento dos juízes, em casos de gêmeos, é de que o cuidado às duas crianças seria insuficiente apenas com a licença da mãe. 

+ Licença-paternidade ampliada é mudança de paradigma social

"O juiz se fundamenta no princípio constitucional da proteção integral da criança. Você consegue enxergar melhor a situação se analisar o direito à licença-paternidade como um direito da criança e não do pai. Assim, consegue enxergar que, se são duas crianças, têm de ter dois pais à disposição delas."

Sul

Publicidade

As decisões favoráveis aos pais de gêmeos ainda estão circunscritas a alguns tribunais do País. "Essa jurisprudência mais progressista tem se firmado aqui no Tribunal Regional da 4.ª Região, que é a Justiça Federal do Sul do País. Fora desse espaço, a jurisprudência tem sido bem recalcitrante", diz ele. Em abril deste ano, o TRF-4 confirmou uma decisão que dá 180 dias a outro pai de gêmeos, um auxiliar de enfermagem do Hospital das Clínicas do Paraná. 

A Justiça Federal em Pernambuco não teve o mesmo entendimento e negou o pedido de Thiago Ribas, de 33 anos. Ele entrou com ação ainda durante a gestação da mulher, a engenheira Ayana Oliveira, de 33 anos, e brigou "até onde conseguiu" para ficar seis meses em casa com as gêmeas Thaís e Beatriz, que nasceram em julho do ano passado. 

+ 20 dias de licença-paternidade: conquista ou expectativa de direito?

Mas as meninas completaram 10 meses sem que ele conseguisse uma decisão favorável. "Eles (juízes) alegavam que o País estava em crise, não poderiam dar uma licença não prevista na lei e isso criaria custos para a União", explica o assistente administrativo do Instituto Federal de Pernambuco.

A cada sentença, aumentava o desânimo. Sem o benefício, Ribas reduziu a jornada de trabalho semanal de 40 para 30 horas e o casal precisou contar com auxílio de fora. "Você acaba terceirizando, contratando babás, pedindo ajuda para os avós."

Thiago, a mulher Ayana e as filhas Thaís e Beatriz Foto: Daniella Pontes. daniellapontesfotografia.com.br

15 dias

Enquanto as ações que pedem meses de licença ainda são poucas, outras, para estender o período por mais 15 dias, têm se tornado mais comuns no País. Mesmo pais de um filho único já conseguiram o benefício. O professor Rodrigo Amendola, de 35 anos, é um deles. Amendola obteve 20 dias de licença para acompanhar o crescimento de Diego, que tem apenas 1 mês e meio de vida. 

Publicidade

+ Saiba como é a licença-paternidade em alguns países do mundo

Desde 2016, esse tempo já é dado a servidores públicos federais e a trabalhadores de algumas empresas privadas. "Queríamos aproveitar a maior parte do tempo possível com ele. Foi muito emocionante", diz Amendola. 

Defensor público e presidente da Associação Paulista dos Defensores Públicos (Apadep), Leonardo Scofano, de 37 anos, também conseguiu liminar no Tribunal de Justiça de São Paulo para cuidar do pequeno Enrico, de 1 mês. "O período de 5 dias é praticamente para ficar só dentro do hospital." 

Em nota, a Defensoria Pública informou que "concorda integralmente com o princípio da extensão da licença-paternidade" e "acompanha a estabilização desse tema no âmbito do Judiciário".

Médico defende presença; jurista vê risco 

No mundo jurídico, a extensão da licença-paternidade para seis meses divide opiniões. Já na área da saúde especialistas recomendam que pais passem mais tempo com os filhos. 

Para Lenio Streck, advogado e membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional, decisões que estendem a licença-paternidade para 180 dias não têm base legal. “Isso é ativismo judicial e faz mal à saúde do erário público”, diz. Ele questiona o fato de que, até agora, só tenham sido concedidas decisões favoráveis a funcionários públicos. “Por que os filhos de funcionários públicos e os pais deles devem receber essa benesse que é financiada pelos não funcionários públicos?”, indaga.

Publicidade

Já os pediatras recomendam aumentar a presença do pai após o parto. “Esses cinco dias oficiais são irrisórios. São três dias aproximadamente em que a parturiente fica na maternidade e depois só mais dois para o pai em casa”, diz Clóvis Francisco Constantino, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). “Nos primeiros seis meses de vida, que implicam novidade no lar, com a mãe insegura que precisa de apoio, é fundamental a presença do pai durante o máximo período de tempo possível. Utopicamente, o ideal seria que ele permanecesse ao lado da mãe durante um período muito próximo do que ela tem de licença.”

21.245 empresas aderem a projeto que dá 20 dias

Em março de 2016, uma lei que estende a licença-paternidade para 20 dias foi sancionada no Brasil. Na prática, o benefício está garantido para trabalhadores de empresas inscritas no programa Empresa Cidadã. Em troca de ampliar a licença, quem adere ao programa recebe incentivos fiscais. Hoje, 21.245 empresas de todo o País estão cadastradas no programa, o que corresponde a 13% do total de instituições (162.547) que poderiam se inscrever, ou seja, aquelas que têm tributação sobre o lucro real. O número cresce a passos lentos: desde 2016, foram 2.259 adesões ao programa, 12% a mais do que era registrado antes. 

COMO É LÁ FORA

Japão São dadas 52 semanas de licença, mas com remuneração de pouco menos de 60% do salário. 

Suécia Tem uma licença parental, a ser dividida entre os genitores. Noventa dos 480 dias de licença remunerada são para o pai. 

Áustria Também tem licença parental, até a criança atingir 2 anos de idade. O casal recebe um bônus no pagamento se compartilha a licença de forma igualitária ou pelo menos na proporção de 40/60.

Publicidade

Espanha Aumentou no ano passado de 15 para 30 dias. Também dá dias a mais em caso de nascimentos múltiplos. 

China São só três dias de licença.

Os dados são do Banco Mundial e da OCDE.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.