VATICANO - O Brasil ganhou neste domingo, 15, de uma só vez, 30 novos santos, com a canonização de dois padres e 28 leigos martirizados em 1645, durante a ocupação holandesa no Rio Grande do Norte por soldados de religião calvinista. Beatificados em 2001 pelo papa João Paulo II, André de Soveral, Ambrósio Francisco Ferro, Mateus Moreira e seus 27 companheiros – os mártires de Cunhaú e Uruaçu – agora fazem parte do catálogo universal da Igreja Católica, podendo ser cultuados no mundo inteiro.
Cerca de 20 mil pessoas – um número modesto em comparação com outras cerimônias de beatificação e canonização – assistiram na manhã de ontem à missa celebrada pelo papa Francisco. O papa cumprimentou os chefes das delegações oficiais na Capela da Pietà, na Basílica de São Pedro, antes de se dirigir para o altar na praça. A representação brasileira foi chefiada pela delegada-geral da União, Grace Maria Fernandes Mendonça. De sua comitiva, participaram o embaixador do Brasil na Santa Sé, Luiz Felipe Mendonça Filho, e o governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria.
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O coral Camerata de Vozes, de Natal, cantou junto ao altar antes da cerimônia, sob a regência de monsenhor Pedro Ferreira da Costa, acompanhado do coral da Capela Sistina.
Mais de 400 peregrinos vindos do Brasil, quase todos do Nordeste, ocuparam as cadeiras em uma área privilegiada na Praça de São Pedro. Na frente deles, na fachada da Basílica, havia uma estampa dos mártires brasileiros, com 5 metros de altura, ao lado dos outros santos também canonizados ontem.
Esses novos santos são os meninos mexicanos Cristovão, Antonio e João, indígenas martirizados em 1527; o sacerdote espanhol Faustino Miguez, que morreu em 1925; e o frade capuchinho italiano Angelo d’Acri, morto em 1739.
Veja a as fotos da cerimônia na Praça de São Pedro do Vaticano
As delegações oficiais do México, da Espanha e da Itália eram mais numerosas que a do Brasil, e os mexicanos, os mais ruidosos e alegres.
O brasileiro Sebastião Morais, de 69 anos, funcionário publico aposentado viajou a Roma com 66 romeiros da Obra de Maria, entidade dedicada à organização de peregrinações religiosas, com renda destinada a missões católicas na África, assistiu à canonização dos mártires com emoção especial.
“Sou neto em 12.º grau de dois santos – João Lustau Navarro e Antonio Vilela Cid –, segundo pesquisas de árvore genealógica que mandei fazer há mais de 20 anos”, disse Morais. Casado e sem filhos, ele é natural de Jardim do Seridó, a 245 km de Natal, e chegou a Roma com o conterrâneo Samuel Medeiros. Os dois conseguiram ficar no altar, ao lado do papa.
Turistas e peregrinos que já estavam na Itália aumentaram o número de devotos na missa de canonização. O paranaense Eduardo Vidotti e nove companheiros da Pastoral Familiar de Londrina não sabiam dos mártires e, ao chegarem de Veneza, se juntaram aos peregrinos. “A gente nunca tinha ouvido falar deles”, admitiu Vidotti.
Fé. O arcebispo de Natal, d. Jaime Vieira Rocha, observou que os mártires passaram a ser mais conhecidos após 2001, quando foram beatificados. “No Rio Grande do Norte, eles sempre foram reverenciados, mas não se falava em martírio, sim em carnificina”, disse. “Esperamos que os santos mártires contribuam para a renovação da fé e para aumentar nossa esperança nesta hora em que o Brasil enfrenta uma grave crise, a fim de que a população assuma a corresponsabilidade diante dos desafios”, afirmou o arcebispo.
Invasores holandeses mataram dois padres e 28 leigos
Dos 30 mártires de Natal canonizados ontem na Praça de São Pedro, no Vaticano, 28 eram brasileiros natos. Dois dos novos santos eram estrangeiros – padre Ambrósio Francisco Ferro, português dos Açores e João Lostau Navarro, francês. Como viviam no Rio Grande do Norte, são considerados brasileiros. Com exceção dos dois padres, todos eram leigos.
Aliados dos colonos portugueses, que lutavam para retomar o Nordeste os invasores holandeses, os mártires foram vítimas de massacres em 1645. Foram mais de 150, mas a Igreja canonizou apenas os 30 que puderam ser identificados, pelo nome ou por referências fidedignas, como relatos de parentes ou amigos.
As pesquisas para a causa de beatificação foram feitas na Torre do Tombo, em Portugal, no Museu de Ajax, na Holanda, e em arquivos da Igreja no Brasil. Padre André de Soveral era paulista de São Vicente e foi jesuíta antes de trabalhar como missionário na então Capitania do Rio Grande do Norte.
Os padres André e Ambrósio e o agente pastoral Mateus Moreira são os mais conhecidos do grupo. Os demais 27 são mencionados como seus companheiros. Todos aparecem num quadro pintado para a cerimônia da beatificação, realizada pelo papa João Paulo II em 5 de maio de 2000, em Roma.
Os massacres. Foram dois massacres. O primeiro ocorreu no Engenho de Cunhaú, atualmente município de Canguaretama, onde o padre André e cerca de 60 fiéis foram trucidados por soldados holandeses e por índios tapuias e potiguares, seus aliados, sob o comando de Jacob Rabbi, um alemão a serviço da Companhia das Índias Ocidentais Holandesas. A carnificina, registrada em 16 de julho de 1645, se iniciou após a elevação da hóstia e do cálice. Padre André morreu com uma punhalada no coração e seu corpo foi feito em pedaços, conforme relato do monsenhor Francisco de Assis Pereira, que escreveu a história dos mártires para o processo de beatificação. Em Cunhaú, foi assassinado também Domingos de Carvalho, outro dos mártires identificados.
O segundo massacre ocorreu em Uruaçu, atual município de São Gonçalo do Amarante, em duas etapas. Padre Ambrósio e mais 12 reféns que estavam detidos na Fortaleza dos Reis Magos, em Natal, foram levados de barco para o local onde foram trucidados ao lado de cerca de 60 fiéis. Rabbi, mais uma vez, comandou a chacina. Mateus Moreira, que estava nesse grupo, morreu com uma facada nas costas. Ao ser apunhalado, gritou repetidamente: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”.