Papa Francisco rejeita ordenação de homens casados como padres na Amazônia

Medida foi discutida entre bispos, durante o Sínodo da Amazônia, no ano passado, como forma de aumentar a presença católica na região; pontífice também diz que 'internacionalização' da Amazônia não é solução para cuidar do bioma

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Foto do author João Ker
Por Felipe Frazão e João Ker
Atualização:

No documento Querida Amazônia, divulgado nesta quarta-feira, 12, o papa Francisco rejeitou qualquer possibilidade de que homens casados venham a ser ordenados padres, mesmo que provisoriamente, para atuar em áreas com falta de sacerdotes. A proposta foi o centro da discussão entre bispos durante o Sínodo da Amazônia, em outubro.

Papa Francisco em missa de encerramento do Sínodo dos Bispos pela Amazônia, na Basílica de São Pedro, no Vaticano Foto: EFE/EPA/GIUSEPPE LAMI

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Francisco já havia tornado pública sua opinião, quando destacou a “coragem” do papa Paulo VI ao defender o sistema atual em meio às mudanças dos anos 1960 e 1970 e quando disse ser contrário ao “celibato opcional”. Mas é a primeira vez que esse posicionamento vai para um documento oficial.

Ao falar do papel dos sacerdotes na exortação apostólica, o pontífice destaca que só o padre está “habilitado para presidir à Eucaristia”. “Esta é a sua função específica, principal e não delegável.” O pontífice admitiu a carência e caracterizou como “desigual” a presença de sacerdotes na área, uma das principais queixas das três semanas de debates no Vaticano.

Papa Francisco após sessão do Sínodo da Amazônia, ocorrido em outubro, no Vaticano Foto: Andrew Medichini/AP

Um bispo austríaco em missão na Amazônia, d. Erwin Kräutler, disse que já havia apresentado o problema ao papa, destacando que comunidades ficam semanas e mesmo meses sem padres. E Francisco havia respondido que qualquer proposta para melhorar deveria vir de baixo, dos bispos locais.

Agora, Francisco devolveu o problema a líderes locais. “Esta premente necessidade (de padres) leva-me a exortar todos os bispos, especialmente os da América Latina, a promover a oração pelas vocações sacerdotais e a ser mais generosos, levando aqueles que demonstram vocação missionária a optarem pela Amazônia.”

A polêmica sobre a ordenação de casados (viri probati) começou já com a divulgação do instrumento de trabalho do sínodo, em 17 de junho, que pela primeira vez levantou a possibilidade de ampliar os espaços para homens casados e mulheres. O texto chegou a ser apontado como contrário à fé pelos cardeais Walter Brandmüller e Raymond Burke e a ala mais conservadora tratou os autores – e o próprio papa – como hereges.

Na sequência, houve a aprovação da proposta de ordenar homens casados, idôneos e com ligação comprovada com a comunidade. A votação do sínodo de outubro teve 128 votos favoráveis e 41 contrários. 

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Foi quando aumentou a pressão eclesial contrária, que teve seu auge no mês passado, com um livro assinado conjuntamente pelo papa emérito Bento XVI e pelo cardeal Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto e a Disciplina Divina dos Sacramentos. A defesa aberta do celibato clerical por Bento, a poucos dias de Francisco se pronunciar a respeito, causou mal-estar. Na sequência, o papa emérito – que chegou a abrir uma brecha para o debate ao aceitar que padres anglicanos casados viessem para a Igreja Católica – pediu oficialmente para Sarah tirar seu nome da capa do livro.

Na realidade, desde o Concílio Vaticano 2.º, todos os papas em algum momento foram colocados frente ao debate sobre o celibato clerical – e decidiram não modificá-lo. Francisco seguiu a linha de João Paulo II, que o tornou bispo com o qual está em “total sintonia” sobre o sacerdócio, conforme livro publicado anteontem na Itália, em que fala sobre seu antecessor. O pontífice polonês dizia que o celibato sacerdotal poderia até ser revisto – mas não agora.

Em outro ponto polêmico, Francisco ainda desconsiderou a sugestão de criar um ministério específico de mulheres. “Clericalizar as mulheres diminuiria o grande valor do que elas têm feito na região”, escreveu. Ele também não avançou sobre a possibilidade de criar um “rito amazônico”.

Internacionalização

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Nos quatro capítulos do texto, Francisco ainda trabalha temas sociais, culturais e ecológicos. E fala sobre a “internacionalização” da Amazônia. Diz que a medida – que causa temores na gestão Jair Bolsonaro – não é a solução. O pontífice cobra, porém, que os governos não se vendam a “espúrios interesses” locais ou internacionais. Logo em seguida, defende e considera “louvável” a presença e o trabalho desenvolvido por organizações não governamentais (ONGs).

Sem fazer menção específica a nenhum país ou governante, o pontífice ainda se opõe ao avanço da exploração econômica em terras indígenas e reservas florestais. “São injustiça e crime”, afirma. Dirijo esta Exortação ao mundo inteiro, para ajudar a despertar a estima e solicitude pela Amazônia, que também é «nossa». #QueridaAmazonia https://t.co/tnYbqK0rPU

Como funciona um Sínodo?

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Durante os Sínodos, “o papa ouve mais do que fala”, explicou o bispo d. Odilo P. Scherer, em artigo escrito para o Estado. O evento, na verdade, serve para que o Vaticano possa ouvir a opinião dos fiéis sobre assuntos específicos, por meio de questionários conduzidos pelos 250 bispos participantes, e tomar decisões a partir desses consensos. 

Em 2014 e 2015, o Sínodo teve como tema “Os desafios pastorais no contexto da evangelização”, e abordou temas como divórcio, contracepção e a união entre casais homoafetivos na Igreja. Em 2018, os cardeais discutiram “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional” e no ano passado, em outubro, “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. Participaram do encontro no ano passado bispos e líderes religiosos, além de indígenas e convidados especiais, dos nove países amazônicos - Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Perú, Suriname, Venezuela e Guiana Francesa –, além de outros da Cúria Romana. O papa ressalta, porém, que a exortação apostólica se dirige ao mundo todo.

O objetivo de um Sínodo é discutir como a Igreja Católica pode intervir em determinados conflitos, assim como adequar suas diretrizes em lugares onde haja dificuldade de converter novos fiéis e disseminar os ideais católicos. 

A palavra "sínodo" vem de duas palavras gregas: "syn", que significa "juntos", e "hodos', que significa "estrada ou caminho'. O sínodo tem caráter consultivo. Após o Sínodo, o papa emite um documento chamado "exortação apostólica", no qual resume e aprova as principais conclusões dos bispos durante as reuniões. O Sínodo da Amazônia foi o quarto do pontificado de Francisco. /COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

Correções

Diferentemente do publicado anteriormente, papa Francisco não recuou da ideia. O correto é que ele rejeitou, pois nunca se mostrou favorável à proposta. 

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