Para 57 mil brasileiros, o ''''Natal'''' é hoje

Seguidores da fé bahá?i celebram o nascimento de Bahá?u?lláh, fundador de religião que surgiu na Pérsia

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Por Adriana Carranca
Atualização:

Para uma parte dos brasileiros, hoje é noite de "Natal". Os mais de 7 milhões de seguidores da religião bahá?i - 57 mil deles vivem no Brasil - celebram nas 24 horas que separam o pôr-do-sol de hoje e o de amanhã o nascimento do profeta Bahá?u?lláh, fundador da religião que surgiu na Pérsia (atual Irã), em 1844. Eles foram chegando e conquistaram adeptos no Brasil a partir da década de 20, com a vinda de uma pioneira, espécie de missionária. Mas fixaram-se no País principalmente após a Revolução Islâmica, de 1979, como refugiados do regime dos aiatolás - a maioria teve como destino São Paulo. Foi a primeira vez que o Itamaraty aceitou, a pedido da Organização das Nações Unidas (ONU), refugiados por motivo de perseguição religiosa. Por aqui, os bahá?ís construíram mais de 200 sedes, onde se reúnem esta noite com amigos e familiares em torno de orações, encenações religiosas e caprichadas ceias, para celebrar o nascimento do profeta - assim como fazem cristãos na noite de 24 de dezembro, a véspera de Natal. Presentes, no entanto, só são trocados em 21 de março, quando eles comemoram o Norouz (ano-novo, em persa). Entre os seguidores da religião está a família do ex-ministro Luiz Gushiken - ele mesmo não é, já que são proibidas aos membros ligações político-partidárias -, o artista plástico Siron Franco e a cantora de jazz Flora Purim. Internacionalmente, seu mais célebre seguidor é o trompetista Dizzy Gillespie. No Brasil, os bahá?ís fundaram instituições de ensino, como a Escola das Nações, em Brasília, hoje com 540 alunos de ensino básico e médio, de 57 países e diferentes religiões; uma escola gratuita para 1.200 carentes e a Faculdade Tahirih, ambos em Manaus. Em São Paulo, o grupo administra a ONG Associação Monte Carmelo. O monumento que marca a Eco-92, no Aterro do Flamengo, no Rio - uma escultura com terras de 150 nações - está entre obras de bahá?ís no Brasil. Embora ainda pouco conhecida no País, a religião ganha adeptos. Na quinta-feira, o estudante de Psicologia Thonni Mendes Brandão, de 27 anos, foi um dos jovens do grupo de novos integrantes reunidos na sede bahá?i, nos Jardins. Batizado, ele já freqüentou candomblé e espiritismo, até se declarar agnóstico. Há um ano, tornou-se bahá?i. "Vi um documentário sobre a religião e me identifiquei. Sou muito racional e a explicação bahá?i de que existe só uma religião e de que os profetas foram enviados, de tempos em tempos, para trazer mensagens me parece ter mais sentido." Entre os profetas estão Cristo, Abraão, Moisés, Buda e Maomé. A sede bahá?i em São Paulo em nada lembra um local sagrado. Exceto por um desenho do sereno senhor de barbas longas e brancas, Abdul-Bahaá, filho de Bahá?u?lláh, e de duas laranjeiras no jardim. "Foram plantadas com sementes originárias das árvores da casa de Báb, iraniano de Shiraz que anunciou a vinda do profeta, foi perseguido e fuzilado em 1850. Elas foram cortadas, mas as sementes vêm sendo espalhadas pelo mundo. Mudei o projeto para tê-las na entrada", conta o arquiteto Flávio Rassekh, filho de uma muçulmana e um bahá?i de origem judaica. Chahla Rassekh, de 62 anos, conheceu o marido no Irã quando passava trotes com as amigas, ligando para qualquer número. Os telefonemas duravam segundos, mas uma vez o alvo da brincadeira gostou da voz da jovem e insistiu para que se encontrassem - tímida, ela mandou uma amiga no lugar. Após muita insistência, eles se conheceram. A família não permitiu o namoro. Parviz mandou flores para Chahla todos os dias durante um ano até ela aceitar o pedido de casamento - e a família consentir. "Ele era muito romântico." Três meses depois, em 1955, o casal chegou ao Brasil com 20 famílias - embora as violações de direitos tenham se intensificado após a Revolução Islâmica, os bahá?ís já sofriam perseguições no Irã. Outro motivo era difundir a religião. Como não há clérigos nem hierarquia de poder, os fiéis são estimulados a viajar. Foi assim que chegou ao Rio a primeira bahá?i, a nova-iorquina Leonora Armstrong, em 1921 - uma placa na Praça Mauá marca a data. Ela pretendia ficar dois meses. A estada durou seis décadas, até sua morte, aos 85 anos, em Salvador. "A fé bahá?i trouxe uma idéia revolucionária de unidade entre as religiões, um federalismo mundial e um idioma auxiliar global que influenciaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. No mesmo ano, a comunidade bahá?i foi a primeira organização sem fins lucrativos a ser creditada pela ONU", diz Washington Araújo, de 47 anos, que adotou a religião aos 22 e já viajou para 46 países.

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