Para deixar área de risco, agricultor é algemado

Adelino não queria, por nada, deixar sua casa, onde mora há 30 anos

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Por Rodrigo Brancatelli e Luiz Alves
Atualização:

Com a camisa xadrez rasgada e o cabelo desgrenhado, o agricultor Adelino Bachmann ainda exibe as marcas das algemas nos pulsos. O olhar parece perdido, de alguém que passou a madrugada acordado em uma sala da Delegacia da Polícia Civil de Luiz Alves, uma das cidades mais atingidas pelas chuvas. Bachmann é conhecido em toda a região como um trabalhador, que criou dois filhos com muito custo. Ontem de madrugada, foi tratado como ameaça, algemado, preso, porque se recusava a sair da casa que construiu há 30 anos e corre o risco de ser soterrada a qualquer momento. "Quiseram me tirar à força, mas dali ninguém me tira", disse Bachmann, ainda bastante nervoso. "Vou voltar pra minha casa e ficar lá até que realmente me provem o perigo. Aquilo lá é a minha vida." A situação é tensa em diversas outras áreas do Estado que ainda sofrem com deslizamentos diários de terra. Muitos morros exibem fendas e estão caindo, as árvores estalam em vários pontos, mesmo com o sol raiando - ontem, foram pelo menos mais três desmoronamentos, sem vítimas. Famílias estão sendo retiradas às pressas e a todo custo de encostas. Muitos se recusam a sair e, segundo geólogos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo que fazem pesquisa na área, correm, sim, risco de morte. Essas famílias que seguem nos morros têm suas explicações - "nada vai acontecer", "o morro não vai cair, é seguro", "se eu sair, vão assaltar tudo aqui" e "não quero perder algo que fiquei anos para construir". Constitucionalistas ouvidos pelo Estado defendem o uso de algemas, se necessário. "Trata-se de um caso clássico de colisão de direitos. No caso específico, quatro deles: à vida, à liberdade, à propriedade e à segurança", explica o advogado Roberto Dias, professor de Direito Constitucional da PUC-SP. "Diante da gravidade do fato, parece que a medida é adequada e necessária para preservar a vida. Há um risco iminente de dano." A reportagem percorreu diversas comunidades isoladas, aonde só é possível chegar de caminhonete, e encontrou várias pessoas que se recusam a deixar a área. "Perigo tem, claro, mais se sairmos vamos fazer o quê?", pergunta o agricultor Antônio Ramos, que, ao lado de sua mulher, Amélia, ainda permanece em uma área de risco. Sua sobrinha morreu soterrada a 200 metros de sua casa. "Isso aqui é tudo o que temos." FACÃO E ALGEMAS O caso de Adelino Bachmann foi um dos mais dramáticos até agora. Ele estava em sua casa no bairro de Baixo Máximo descansando, por volta das 23h30 de anteontem, quando policiais e bombeiros chegaram. Foi avisado que o local corria risco de ser soterrado. Ele gritou: "Mas nem olharam nada aqui, minha casa não tem rachadura. Moro aqui há 30 anos, não vou sair e deixar tudo para trás, não vou." Os bombeiros e policiais, cansados - e com medo pelo risco de desmoronamento -, tentaram tirá-lo à força. Bachmann correu para a cozinha, pegou um facão de 30 cm e disse que nada o tiraria. Em 15 segundos, após ser imobilizado, estava no chão, algemado, com a família chorando. Em várias áreas de Luiz Alves, outros moradores também resistem. Em uma casa de madeira de cinco quartos, ao lado de uma encosta que já desmoronou, um vira-lata chamado Scooby está acorrentado na árvore e cinco colibris permanecem engaiolados. Estão tão presos ao local quanto o servente Messias Pereira dos Santos, de 24 anos, que não deixou a residência mesmo com os alertas da Defesa Civil e dos Bombeiros. "Aqui não vai acontecer nada, não", disse, enquanto limpava panelas cheias de lama. "A Defesa Civil está exagerando, moro aqui desde que nasci e nunca aconteceu nada com a minha casa. Já desmoronou tudo o que tinha para desmoronar."

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